Como se dá o desenvolvimento da linguagem

Entre nós, humanos, a linguagem surge, de maneira muito rudimentar, logo nos primeiros momentos da vida. O choro é a protolinguagem do bebê
Texto publicado em março de 2020
A linguagem oral e escrita é uma forma complexa de comunicação privilegiada peculiar do ser humano. Encontramos “línguas” em algumas categorias de animais, com sons ou comportamentos que indicam perigo ou alegria. Mas, a primeira comunicação sempre em todos os grupos de animais, se estabelece entre o filhote e sua mãe, buscando o alimento e o cuidado maternos. Parece que as baleias emitem cerca de 300 sons em sua comunicação de ameaças de vários tipos. Cachorro doméstico rosna e late o limite para o outro para estabelecer o limite, e se comporta com sons e “festinhas” evidenciando a alegria ao reencontrar seu dono. As baleias “falam” entre elas, o animal doméstico, parece que precisam satisfazer os humanos e a comunicação se estende a eles também.
Entre nós, humanos, também a linguagem surge, de maneira muito rudimentar, logo nos primeiros momentos da vida. O choro é a protolinguagem do bebê. Sabe-se que, por volta da quarta ou quinta semana do bebê, a mãe já consegue distinguir quatro choros diferentes: o choro de fome, o choro de sono, o choro de cólica, o choro de frio/calor. Isto porque o bebê vai ajustando seu choro para que a mãe o atenda naquilo que está lhe causando desconforto. E, por sua vez, a mãe, sem prestar atenção para este processo, também vai ajustando o ouvido para acertar mais no atendimento a ele.
A maturação neurológica vai permitindo a maturação do aparelho fonador. A respiração que nos primeiros dias ainda é irregular, irá se regularizando para dar lugar ao ritmo de emitir sons diferenciados. Aliás, um equívoco que é popularizado, deixar o bebê chorar no berço até cansar para não ficar manhoso, subtrai dele a possibilidade de ser levantado mais vezes por baixo dos braços, esticando o tórax e alongando os pulmões imaturos. Desta maneira, estimula-se o desenvolvimento pulmonar, trazendo benefício respiratório. Bebê “manhoso”, às vezes, é o filho de uma mãe insegura ou carente. A díade mãe-bebê, pela dupla dependência afetiva. Busca uma sintonia que garantirá ao bebê a sua sobrevida. Veremos melhor esta área, em breve, quando do tema do desenvolvimento afetivo.

O bebê que só chorava, em torno dos quatro meses, começa a balbuciar alguns sons aleatórios. Seu aparelho fonador vai lhe fornecendo outras opções, os fonemas são formados em quantidades quase diárias. Por volta dos oito meses, o bebê que já sabe brincar de esconder atrás de uma fralda, numa comunicação não verbal, emite todos os fonemas de todas as línguas existentes. Neste momento, começa a acontecer uma seleção pelos fonemas de sua língua materna até que todos os outros caem em desuso porque a repetição do fonema que mais se aproxima da palavra “mamãe” é recebida com festejos, que sinalizam para ele que este é um “caminho” de bons retornos, abraços e beijos. Em todas as línguas há um diminutivo da palavra mãe, de repetição que facilita a “descoberta” da alegria da primeira palavra. E, a partir desta primeira palavra ele ganha uma “professora” de palavras, que vai lhe guiando na articulação de outras palavras, sempre afetivas e familiares.
A palavra-frase vem logo, comunicando um desejo. “Aua” significa eu quero água. A compreensão pelos adultos é fundamental nesta fase, mesmo que a pronúncia ainda esteja longe da correta, a criança vai ajustando pelo que ela escuta e vai se autocorrigindo. O “não” logo aparece porque a criança está também na fase afetiva da contestação, combinada com a aquisição de certa autonomia por conta da marcha, e, portanto, está recebendo muitos nãos ao mexer onde não pode.
As primeiras frases tem apenas sujeito e objeto direto, e são sempre permeadas pelo verbo querer. As frases são preenchidas, gradualmente, por palavras de ligação, os pronomes possessivos vêm na sequência, e quando surgem os advérbios temporais eles não correspondem ainda ao tempo certo: “amanhã eu fui ao parquinho”. O “eu” deve surgir antes dos três anos de idade. Quando a criança passa desta idade e continua a se referir a ela mesma na terceira pessoa ou pelo nome dela, isto é indicador de um problema na aquisição de sua identidade.
Entre três e quatro anos a aquisição do vocabulário é multiplicada por 10. Nós adultos usamos ordinariamente em torno de 80% a 90% das palavras que aprendemos neste período. A linguagem é aprendida pelo raciocínio concreto, única possibilidade de pensamento na infância. Mas a riqueza do ambiente linguístico influenciará muito o raciocínio verbal e, sobretudo, a fluência verbal a ser desenvolvida.
A aprendizagem da linguagem escrita só será possível quando a hipótese linguística neurológica estiver pronta. É preciso que a maturação neuronal permita que a criança reconheça nos signos arbitrários, letras e algarismos uma correspondência com o som falado, para que consiga formar códigos com os fonemas de duas letras, por exemplo. A regência desta orquestra de dados permitirá a aquisição da linguagem escrita. Do erro de contiguidade, na articulação ou no significado, a criança busca, incessantemente, a exatidão da comunicação.