Pai bom existe — Parte III
Não há manual de instrução para ensinar a ser pai. Palavras não dão uma habilitação porque a função pai é sentida, é empática, é um afeto responsável
Precisei interromper essa série sobre o pai por causa de um tema emergente e preocupante. Volto a ele.
Ter um bom pai é um privilégio. E cada vez mais. O modelo das gerações anteriores caiu em desuso, com razão. A figura autoritária, distante, que não se envolvia com as questões afetivas nem as questões educativas, mas que tinha o temido cedro da punição, que cantava nos corpinhos das crianças, de todas as idades, mudou.
Evoluímos. Aprendemos que a palmada não educa, só amedronta e apresenta a Criança ao espectro da opressão, aprendemos que o afeto é um alimento tão importante para o desenvolvimento quanto o nutriente, aprendemos que crianças não podem ser tratadas como propriedades. Na verdade, estamos ainda aprendendo, alguns de nós ainda na fase de alfabetização desse conhecimento. Ainda estamos longe do respeito à Criança.
No entanto, parece que, dialeticamente, escorregamos para o outro extremo e houve uma grande intervenção ao exercício da paternidade. E nos arvoramos a ensinar os homens a se tornarem pais. Como se fosse possível. Não há manual de instrução para ensinar a ser pai. Palavras não dão uma habilitação porque a função pai é sentida, é empática, é um afeto responsável.
Da mesma maneira que o filhote humano, necessitando de, além de uma mãe, um pai, não tem o dom da palavra, mas se comunica, a função pai também prescinde da palavra em seu alicerce. Ela é estruturada intuitivamente, embebida em emoção e afeto para assegurar a confiança de descobrir um mundo enorme, por vezes, assustador. E, enquanto anterior à linguagem, é, essencialmente, não verbal.
O que vemos, contudo, é uma proliferação de instruções e de afirmações preconceituadas, porquanto descoladas da função que é única porque experimentada por uma dupla, pai-filho, que é única. Cada filho tem um pai único em seu momento de vida, em sua temporalidade, em sua experiência vivida como filho, portanto, em seu contexto espaço-temporal-afetivo.
São “professores” e “professoras” que creem na escolinha de papais. Muitas vezes encontramos “escolas” que servem de cobertor para genitores que nunca se tornarão bons pais. A ilusão trazida pelo prazer em se sentir o “dono de um saber” proporciona essa proliferação de técnicos que distribuem mandamentos de paternidade, pretensa, acreditando no maior empoderamento masculino em detrimento da desvalorização feminina.
Como se fosse uma competição, os exageros levam a distorções que minimizam a função materna, dispensando até o cumprimento de fases como a do aleitamento natural. Em nome de uma ilação que prescreve uma importância exacerbada à presença da figura do pai, incluindo a obrigatoriedade de uma convivência pai-filho muito acima da sua possibilidade afetiva, atropelando seu processo natural de se paternalizar. O que não é considerado é que nem sempre, ou melhor, quase nunca a judicialização dos afetos e emoções dá certo. Muito pelo contrário, ela vem para privilegiar o Poder de quem deveria cumprir o compromisso com a Proteção dos pequenos vulneráveis.
A falácia de que essa obrigação de um “gostar” da Criança pelo seu pai é um “direito da criança”, é o desvirtuamento do propósito da Proteção dela. Serve para garantir o acesso de pais delituosos e criminosas a suas presas, seus filhos. É, claramente, a garantia do Direito do adulto, do genitor, quando não se respeita a necessidade de restauração psíquica da Criança. Não se obriga ninguém a gostar de outra pessoa, e diria ingênuo e ignorante do lado psicológico a crença de que obrigando a Criança vai “amar” um pai que a maltratou. Sabemos que essa crença faz parte do equívoco nocivo de que a mãe manda a Criança rejeitar o genitor e introduz um chip em seu cérebro com lembranças que não aconteceram.
Não podemos esquecer que o bom pai não atacará a mãe de seus filhos, mesmo que ele tenha queixas e raiva dela. Bom pai não tira a mãe do filho da vida dele.
Pai bom, existe sim!