Cultura

Mais um apocalipse

Todo fim de ano é a mesma coisa, a mesma correria pelas compras natalinas em meio a um turbilhão de mensagens de fé, de paz e esperança, acompanhadas de inúmeras notícias dos próximos apocalipses nossos de cada dia que vão se acumulando. É que o famigerado medo da morte e a ansiedade diante do desconhecido dão asas à imaginação humana e a todo o tipo de teoria fatalista e interpretações distorcidas de alguns textos proféticos antigos de fim de mundo.
Uma terceira guerra mundial, uma nova peste, um terremoto, mais um “bug do milênio”, a revolução das máquinas, a marca da besta ou um novo cometa que vai surgindo no horizonte. Naves espaciais invasoras, a volta do messias ou um novo apocalipse zumbi anunciado. Talvez, por ser finito, o homem carregue em seu DNA o gene da destruição em sua própria constituição ou quem sabe carregue em sua memória universal e cósmica a ideia de extinção.

Talvez, a explicação para este fenômeno social de massa esteja na somatória de fatos que ocorrem na atualidades, tais como: a velocidade da informação, o caos contemporâneo em que mergulhamos aliado à loucura do mundo líquido, do capitalismo cada vez mais selvagem, de um mercado de consumo cada vez mais agressivo e ao cansaço dos dias atuais. Talvez, este conjunto de fatores apareça como causas dessa paranoia coletiva que faz surgir na maioria de nós este gosto amargo de morte na boca.

Eu cá com os meus botões também ouso teorizar e acho que muito disso é propaganda, ferramenta de marketing e mercantilização do quanto pior melhor e a negociação de artigos de fé e explico: já é cediço que o medo e a culpa geram pânico e ansiedade e isto vende. Este fenômeno somado ao conjunto de dogmas e crenças limitantes que povoam o imaginário popular acarretam esta sensação de desconforto geral e vende. Vende remédios, tratamentos médicos usuais e paranormais de todas as matizes e terapias de toda sorte, métodos de cura e todo o tipo de artigo de fé, o que no fim garante um certo clientelismo por parte de muitos desavisados, enriquecendo os aproveitadores de plantão.

O medo da morte e a ideia de penas terríveis e eternas que nos acompanham desde a mitologia são o “carro chefe” deste negócio lucrativo, que vai deste compra e venda de indulgências até aquisição de um pedaço de terra no céu. Eu como matuto que sou não duvido de nada, mas desconfio de tudo e prefiro jogar tudo na conta da nossa herança mítica, teogônica e mística sobre tais assuntos e praticar a epoché dos gregos antigos.

E como eu não sei de nada, enquanto o mundo não se acaba eu sigo aqui na minha varanda, tomando uma taça de vinho, dando uma pitada em meu charuto, imerso em minhas reflexões um tanto quanto amalucadas, com um papel e uma caneta na mão, agradecendo e dando graças. Sem é claro, me descuidar do meu celular vai que o mundo realmente se acaba e eu não consiga fotografar, filmar, fazer selfies e postar na internet tal acontecimento surreal tão esperado e cataclismático, cheio de luz, de fogos, raios e explosões de matizes variadas. Boas Festas e Feliz novo ano velho. Tim-tim!

Mário Vieira

Mário Vieira

Capixaba, casado, autor e advogado

Related Posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

EnglishPortugueseSpanish