Internacional

A China controla o Canal do Panamá? Por que Trump quer retomar o comando da hidrovia

Trump alega que o regime comunista da China controla a hidrovia e que, por isso, quer que os EUA a tomem de volta

Por John Lucas

Desde antes de tomar posse para seu segundo mandato, no último dia 20 de janeiro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vinha defendendo a retomada do controle norte-americano sobre o Canal do Panamá. Segundo ele, a infraestrutura, que corta a América Central e é considerada estratégica e fundamental para o comércio global, estaria sob influência crescente do regime comunista da China, que desde 2017 vem fortalecendo sua presença no Panamá, visando expandir sua influência na América Latina e ameaçar os interesses dos EUA. O governo panamenho nega a acusação de Trump e garante que o canal, responsável por 5% do comércio marítimo global e por 40% do tráfego de contêineres americanos, segue sob sua administração soberana.

Insatisfação com acordo de Carter
Trump não esconde sua insatisfação com o acordo de 1977, assinado pelo então presidente Jimmy Carter, que garantiu a devolução da hidrovia ao Panamá em 1999. Para o republicano, a entrega do canal foi um “erro estratégico” de Carter, que colocou uma infraestrutura que Trump considera como vital para os EUA nas mãos de um governo que, segundo o republicano, está permitindo neste momento a expansão da influência chinesa na região.

Nos últimos meses, Trump tem reiterado a acusação de que a China exerce um forte controle (incluindo controle militar) sobre o Canal do Panamá e, na semana passada, chegou a acusar o país centro-americano de estar apagando as “evidências” deste domínio comunista sobre a hidrovia. “O Panamá está tentando apagar as evidências do domínio chinês sobre o canal, mas nós sabemos a verdade”, escreveu o atual chefe da Casa Branca em sua rede social, a Truth Social, acusando o governo panamenho de remover placas em mandarim que estariam espalhadas pela região.

Trump também acusa os panamenhos de estarem explorando os Estados Unidos com “taxas injustas” de pedágio para atravessar a hidrovia, algo que o Panamá nega, afirmando que o aumento nas taxas nos últimos anos ocorreu por causa de secas severas que impactaram os níveis de água e restringiram a quantidade de navios permitidos no canal, investimentos em infraestrutura, incluindo a ampliação da capacidade da hidrovia e pela alta demanda.

Além do discurso
Os alertas emitidos pelo governo Trump sobre a questão da hidrovia não têm ficado apenas na retórica. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, viajou ao Panamá no domingo (2) e avisou que a Casa Branca “tomaria medidas” se a alegada influência chinesa sobre o canal “não fosse reduzida”. Poucas horas depois, o presidente panamenho, José Raúl Mulino, anunciou que seu governo não vai renovar o acordo assinado em 2017 com a China no âmbito da Iniciativa do Cinturão e Rota (ou Nova Rota da Seda), o projeto global de infraestrutura liderado por Pequim, que serve para aumentar sua influência pelo mundo. Contudo, mesmo se afastando um pouco mais dos chineses, Mulino reiterou a soberania panamenha sobre o canal.

A china controla o canal?
Embora a China tenha ampliado sua presença econômica no Panamá, a maioria dos analistas afirma que Pequim não exerce controle direto sobre o canal. No entanto, algumas entidades e especialistas alertam que a crescente influência de empresas chinesas na infraestrutura portuária da região pode representar um risco estratégico a longo prazo.

Uma análise feita pelos pesquisadores e professores de Ciência Política Carla Martinez Machain, da Universidade de Buffalo; Michael A. Allen, da Boise State University e Michael E. Flynn, da Universidade Estadual do Kansas, publicada no site The Conversation, baseada em entrevistas com autoridades panamenhas e americanas, argumenta que o Panamá tem sido cuidadoso ao tentar equilibrar sua relação com Washington e Pequim.

Segundo os pesquisadores, o Panamá tem buscado manter sua autonomia sobre a gestão do canal, sem permitir o domínio de nenhuma das grandes potências sobre o local. O artigo pontua que, apesar dos investimentos chineses na região, o canal continua sendo operado exclusivamente pelo governo panamenho por meio da Autoridade do Canal do Panamá (ACP), que é um órgão estatal autônomo.

Um artigo do think tank Council on Foreign Relations (CFR), publicado na semana passada, enfatiza que não há evidências concretas de que o regime comunista de Pequim tenha controle direto sobre a hidrovia, contudo, a análise reconhece que empresas chinesas estão operando neste momento portos considerados estratégicos para o canal.

A principal empresa que opera portos no entorno do Canal do Panamá é a Hong Kong Hutchison Ports, que controla, por meio de sua subsidiária Panama Ports Company, os portos das cidades de Balboa e Cristóbal, localizados, respectivamente, nas entradas do canal pelos oceanos Pacífico e Atlântico. O porto de Balboa é um dos maiores terminais de contêineres da América Central e desempenha um papel essencial na logística do comércio internacional. Já Cristóbal, no Atlântico, é um ponto de passagem fundamental para cargas que transitam entre as Américas, Europa e Ásia. A concessão da Hutchison sobre esses portos foi renovada em 2021 e permanecerá em vigor até 2047.

O vínculo da Hutchison Ports com Hong Kong a coloca sob a jurisdição da Lei de Segurança Nacional chinesa, que está em vigor na região autônoma desde o ano passado. Essa legislação permite que o regime de Pequim exija cooperação de empresas sediadas no território até mesmo para fins militares e de inteligência, o que gera questionamentos entre especialistas e funcionários do novo governo americano sobre o possível uso estratégico destes portos no entorno do canal por parte da China no futuro. Segundo informações da emissora France24, na semana passada, o secretário Rubio chegou a declarar que era “inaceitável” que empresas sediadas em Hong Kong controlassem os pontos de entrada e saída do Canal do Panamá, alertando que, caso Pequim ordenasse, elas poderiam interromper o trânsito de embarcações a qualquer momento.

De acordo com o jornal americano Daily Signal, durante uma audiência no Senado dos EUA, realizada na última semana, Daniel Maffei, presidente da Comissão Federal Marítima Americana, alertou sobre os riscos estratégicos associados à crescente presença dessas empresas chinesas no entorno do Canal do Panamá. Embora tenha reconhecido que até o momento não há evidências de interferência direta de Pequim na operação da hidrovia, Maffei destacou que essa influência chinesa na região pode representar um problema no futuro.

Não é difícil bloquear uma via navegável. O Canal do Panamá é vulnerável em termos de infraestrutura. Este não é um local fortificado ou militarizado”, afirmou ele.

Por sua vez, o jurista Eugene Kontorovich, da Universidade George Mason, indicou durante a mesma audiência do Senado que Pequim pode estar expandindo sua presença comercial em regiões estratégicas, como o canal, para, posteriormente, converter essa presença em vantagem política ou militar. Ele usou como exemplo o caso do Mar do Sul da China, onde Pequim inicialmente investiu em infraestrutura civil e, anos depois, militarizou a região com bases navais e pistas de pouso.

Muitas das ilhas artificiais da China no Mar do Sul da China começaram como projetos supostamente civis antes de serem militarizadas”, lembrou.

Para a pesquisadora Jennifer Parker, do National Security College da Australian National University, as recentes alegações de Trump sobre o canal podem até ser um pouco exageradas, mas sua preocupação com a presença chinesa no local tem fundamento. Segundo escreveu Parker em uma análise feita para o think tank Australian Strategic Policy Institute (ASPI), a “China não controla diretamente o canal”, mas comanda os portos de entrada e saída — aqueles das cidades se Balboa e Cristóbal — e o domínio chinês sobre esses locais, segundo Parker, somado à crescente presença de Pequim na América Latina, pode impactar futuramente a segurança econômica dos EUA e também de aliados, como a Austrália.

Parker cita que a China tem um histórico de usar investimentos estratégicos para garantir influência geopolítica. A especialista lembrou em sua análise um caso que ocorreu na Austrália, onde, em 2015, o governo local permitiu que uma empresa chinesa assumisse a operação por 99 anos do porto de Darwin, no norte do país, algo que hoje é visto como um erro estratégico. “Assim como Darwin é vital para a segurança da Austrália, o Canal do Panamá é essencial para os Estados Unidos”, disse Parker.

Consenso bipartidário
Durante a audiência realizada no Senado na semana passada, o senador republicano Ted Cruz citou o controle da Hutchison Ports sobre os portos nos dois extremos do canal. Cruz disse que, no futuro, a China pode usar esses portos como pontos estratégicos para, quando for de seu interesse, interromper o fluxo comercial global. Ele também acusou Pequim de estar construindo uma ponte no canal com a intenção de exercer um controle indireto sobre a hidrovia.

As empresas chinesas estão construindo uma ponte sobre o canal — em um ritmo lento, para levar quase uma década — e controlam os portos de contêineres em ambas as extremidades. A ponte, ainda inacabada, dá à China a capacidade de bloquear o canal sem aviso prévio, e os portos oferecem pontos estratégicos para monitorar e cronometrar essa ação. Essa situação representa riscos graves para a segurança nacional dos EUA“, afirmou Cruz. “Não podemos permitir que os transportadores americanos sejam extorquidos”, continuou o senador. “Não podemos fechar os olhos se o Panamá explorar um ativo de importância comercial e militar vital. E não podemos permanecer inertes enquanto a China avança em nosso hemisfério”, disse ele.

Em nota ao Daily Signal, a senadora republicana Marsha Blackburn afirmou que os EUA devem condicionar desde já a ajuda financeira concedida ao Panamá à redução da influência chinesa no canal. Ela foi ainda mais incisiva ao afirmar na nota que a presença de Pequim no local já deveria estar sendo tratada como uma questão de prioridade nacional.

O Partido Comunista Chinês já demonstrou sua disposição de usar empresas estatais para atingir objetivos geopolíticos. Precisamos estar atentos”, declarou.

Democratas no Senado também demonstraram preocupação com a crescente presença chinesa no Panamá, embora de forma mais moderada. A senadora democrata Maria Cantwell mencionou que equipamentos de telecomunicação de empresas chinesas, como a Huawei, estão sendo instalados nas proximidades do canal, o que poderia representar um risco à segurança cibernética.

Estou preocupada com os portos de propriedade chinesa no Panamá e sua proximidade com o canal. Também estou profundamente preocupada com a instalação de equipamentos chineses da Huawei e de outras empresas chinesas perto do canal”, disse.

Fonte: Gazeta do Povo

Luzimara Fernandes

Jornalista MTB 2358-ES

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