Comportamento & Equilíbrio

Espancamentos e Feminicídios — Parte III

Não há programa sério de proteção com acompanhamento das vítimas de nenhum tipo de agressão. Efetivamente, não há

A Violência contra a Mulher corre solta, apesar da Lei Maria da Penha. Recentemente, tivemos um acréscimo importantíssimo de mais uma forma de violência: a Violência Vicária. Temos seis formas de Violência bem tipificadas na Lei Maria da Penha: a física, a sexual, a moral, a patrimonial, a psicológica e a vicária.
A violência física, a mais facilmente identificada porque deixa marcas visíveis a olho nu, nem sempre gera um Registro Policial. Até mesmo nas Delegacias Especializadas, conhecidas como Delegacia da Mulher, com pessoal treinado, para o que deveria ser o necessário acolhimento à vítima, quantas vezes o Registro é negado ou é ouvido, repetidamente, um “alerta” para demover a mulher de fazer a denúncia. A frase conhecida: “mas você tem certeza que quer mesmo registrar? Depois não tem volta, não pode se arrepender”. E quantas desistem ali, nesse momento.

Quantas chegam à delegacia carregando suas dores, seus hematomas, cortes e fraturas, mas também carregando suas dependências do agressor. Dependência financeira, dependência emocional, dependência afetiva, são algumas delas. Nesse momento, sonham com uma recuperação que não vai ocorrer. Não a devida e necessária recuperação delas como pessoa, mas são inundadas pela ilusão que foi a última vez, que vão conversar e que o agressor vai entender e parar para sempre de agredi-las.

Para aquelas que conseguem registrar a queixa de violência, não há alívio, não há sossego. Após a fase doída, cansativa, vergonhosa dos exames e mesmo de posse de uma Medida Protetiva de Urgência (MPU), muitas vezes revogada ali na frente na Vara de Família, onde logo será acusada de alienação parental e vai perder a guarda dos filhos que serão entregues ao genitor agressor, ela também pode ser assassinada com esse papel na mão, na bolsa ou numa gaveta. Não há programa sério de proteção com acompanhamento das vítimas de nenhum tipo de agressão. A mulher volta para casa, volta para o reino do agressor. Ele conhece toda a casa, todos os caminhos dela, todos os horários, e não respeita a MPU. Quantas, nos números dos Feminicídios estavam nessa condição? Não sabemos porque não há um depois, nem para o primeiro nem para a sequência de “depois” de cada etapa do calvário que se iniciou com a denúncia de violência doméstica. Efetivamente, não há.

Se a Violência praticada era a sexual, as evidências não são visíveis, só escritas no Exame de Corpo de Delito. Mas, mesmo tendo a assinatura Legal de um médico ou médica concursado, funcionário público, quantas vezes acontecem desqualificações feitas por psicólogas lotadas na justiça. Como? Dizendo que o legista foi precipitado, por exemplo, descaracterizando, completamente, o trabalho de constatação que é feito pelo legista. A ele não cabe ficar conversando, fazendo entrevistas com a família inteira, perguntando à vítima em “pegadinhas” para armar uma contradição. O legista escreve suscintamente o que constata naquele momento. É como uma fotografia por escrito, com termos técnicos. Portanto, completamente fora do alcance e da Ética da Psicologia.

No entanto, é o suficiente para desviar o olhar da violência sexual sofrida por uma criança para uma falsa acusação contra a mulher, sendo mais uma violência contra as duas vítimas. Assim, inicia-se a série de estupros institucionais. É o Estado que passa a cometer Violência quando descredibiliza a Voz da Mulher, da Criança e do médico Legista, assim como de profissionais honestos e comprometidos com a Verdade trazida pela vítima de violência sexual. Paira um descrédito técnico e ético sobre os profissionais que acompanham, terapeuticamente, as vítimas de violência doméstica. Como se essas pessoas que cuidam do sofrimento de seus pacientes, fossem desonestas porque trabalham e recebem pelo trabalho que realizam.

No entanto, a venda de laudos, os laudos feitos a distância, laudos iguais, onde até erros objetivos grosseiros, como o número de filhos de uma mãe, acusada de alienação parental, e suas idades, fossem lançados em uniformidade, vários seguidos, mostrando, claramente, que foi feito no copiar/colar. A mãe de um filho único, que era abusado pelo seu genitor, ganha mais dois filhos com nome e idade escritos no laudo. O entendimento do juízo foi que tinha havido um erro de digitação. Banal. E o laudo que não continha apenas esse “pequeno erro de digitação”, mas era abundante em erros de digitação de inversão de tempos, fatos não ocorridos, afetos invertidos, mas nada que fosse importante para o juízo. Essa é uma violência institucional que causa uma marca de impotência aterradora.

(Foto: Freepik)

Já citamos, anteriormente, a alegação de defesa de um assassino que cometeu um Feminicídio contra a mãe de seus filhos, que foi qualificada pelo advogado como cometendo um suicídio com mãos alheias. Esse caso foi falado pela ministra Cármem Lúcia do STF.

O “suicídio com mãos alheias”, quando um ex-marido descarregou seis tiros no rosto da ex-esposa, mãe de seus filhos, está apoiado em malabarismo no conceito Psicanalítico de Inconsciente. Este conceito, específico da Teoria Psicanalítica e só aplicável no curso do tratamento por Psicanálise, onde se localiza. Mas ele tem sido usado como uma arma. Afirma-se, por exemplo, que há alienação parental inconsciente, que nem a própria mãe que comete sabe que está cometendo, e por conseguinte, essa alienação parental inconsciente pode, perfeitamente, preceder a aquisição da linguagem do ainda bebê. E isso dá apoio à inversão de guarda de lactentes.

O Inconsciente, no seu verdadeiro conceito, se pronuncia na construção dos sonhos noturnos e nos atos falhos. Esse conceito definido por Freud, tem num pronunciamento de uma pessoa defensora radical da lei de alienação parental, uma demonstração emblemática do que é um ato falho. A Douta Senhora inicia seu vídeo sobre sua posição contrária à Revogação da lei de alienação parental, nomeando a Lei Maria da Penha. E como é a dinâmica desse conceito, ela continua até o final e não se dá conta. Fica explícito seu desejo inconsciente de revogar a Lei Maria da Penha. Ou seja, há um combo em articulação. Sai a Lei Maria da Penha, que incomoda muito com a tipificação das seis formas de violência, e fica a lei de alienação parental, que protege os predadores de mulheres e crianças. Essa é uma definição ao vivo de um conceito psicanalítico, o Ato Falho. Pensaremos sobre as outras formas de violência contra a Mulher no próximo artigo.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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