Espancamentos e Feminicídios — Parte IV

Um tapa começou a ser montado muito antes, com uma palavra ríspida, seguida de um xingamento, um primeiro empurrão, um tapa meio de raspão, e então a surra. E, então, segue o assassinato
Quando assistimos à desembargadora em franco Ato Falho que explicita o desejo/articulação da revogação da lei Maria da Penha em conjunto coordenado com a manutenção da lei de alienação parental, fica mais do que evidente a raiva pelos milímetros conquistados pela mulher nesses últimos anos. A Misoginia acomete não só os homens. Também, certas mulheres. Poderemos nos arriscar a tecer alguns pontos que ajudam a compreender essa complexidade, odiar mulheres sendo mulher. Oportunamente.
Os Espancamentos e os Feminicídios não são pontos iniciais. Eles fazem parte de um processo que os antecede, e que os acompanha, compondo uma espécie de cenário. A brutalidade das violências físicas tem uma curva ascendente. Um tapa começou a ser montado muito antes, com uma palavra ríspida, seguida de um xingamento, um primeiro empurrão, um tapa meio de raspão, e então a surra. E, então, segue o assassinato.
Mas existem outros tipos de violência contra a Mulher. São formas que prescindem das marcas na pele. A forma sexual, apesar de conter a concretude do sêmen, pode acontecer no “abrigo” de um casamento. Lembro de uma senhora viúva, na terceira idade, que procurou a análise para contar pela primeira vez que o marido desde a lua de mel, pegava sua arma no armário e colocava na mesinha de cabeceira, para depois do estupro, guardá-la de novo por causa das crianças. Um estupro silencioso, dissimulado. Semelhante aos estupros, incluindo qualquer ato de lascívia com crianças. Silenciosos e dissimulados. Domésticos. Incestuosos em sua grande maioria.

A violência psicológica tem uma infinidade de modalidades. Talvez a mais cruel seja aquela que é reservada, quase secreta, a dois somente. E por ser tão reservada, a Mulher não consegue se queixar com ninguém, ela é privada da possível rede de apoio, estratégia do agressor, que goza de fama de boa pessoa, de ser até um marido que elogia a mulher, porque ele cuida, meticulosamente, de parecer que tem uma admiração pela sua mulher. Isso lhe garante a maldosa e intencional desqualificação e descrédito da voz da mulher. Também é violência psicológica a estratégia de patologizar a mentalmente, com vistas à internação psiquiátrica para aniquilar por completo. No momento deve acontecer o seguimento de processo judicial movido por uma Mulher que foi internada numa espécie de sequestro promovido pelo ex-marido em conluio com uma psiquiatra e dois enfermeiros psiquiátricos que colocaram a mulher em camisa de força, apesar da nenhuma resistência dela, ambulância e Clínica, sem deixar rastro. Foi salva porque conseguiu mandar um bilhete para o namorado, bilhete que saiu no sapato da mãe de outro paciente.
Outras vezes a violência psicológica é escancarada e paralisa as pessoas ao redor, tamanha a naturalidade com que é usada. Também acontece com a forma Moral, que, por vezes, se inicie ainda durante a vigência da relação conjugal, e passa pela separação quando se torna a “justificativa’ da depreciação no lugar da frustração que deveria ser vivida.
A violência patrimonial tem por objetivo empobrecer a mulher de maneira que ela perca bens, profissão, tudo o que pode manter sua autonomia. Parece haver um desejo de que a Mulher, liquidada financeiramente, venha a passar por constrangimento, e fomes diversas, possivelmente, venha a depender de terceiros ou do ex-marido. Obstruir a carreira profissional, de diversas maneiras, muitas por tráfico de influência, é uma estratégia muito frequenta.

Recentemente foi incluída mais uma forma de violência: a Vicária. Ainda pouco conhecida, mas muito difundida, é a “violência por procuração”. Ou seja, o agressor faz com que outra pessoa pratique a violência em seu lugar. As crianças servem muito a este propósito. Há aquela frase conhecida: se você quer atingir uma mulher, atinja seu filho. A lei de alienação parental se encaixa plenamente nesse tipo de violência. O uso da criança como arma contra a mãe através da inversão de guarda, da guarda compartilhada de bebês, que não passa da divisão de um relógio, totalmente inadequada e maléfica para o recém-nascido.
Acontecem sentenças que estabelecem que o bebê de uma semana fica pela manhã com o pai e à tarde com a mãe. Possivelmente, o juiz nunca viu que seus filhos, logo que nasciam, precisavam mamar de três em três horas, e precisavam do colo da mãe sempre que chorassem por algum motivo. A Psicóloga e Perita Internacional Sonia Vaccaro escreveu, brilhantemente, “Violência Vicária: golpear donde más duele”, deixando à mostra a constância da violência de gênero.
Alienação parental, uma nova forma de violência de gênero contra mulheres e crianças na América Latina e Caribe”, livro organizado pelo CLADEM, Comitê Latino Americano e do Caribe, aborda no conjunto de autores, a violência de gênero, também aponta para esse sentimento de ódio contra as mulheres e suas crianças.
Essas são as seis formas de violência contra a Mulher inscritas na Lei Maria da Penha, lei n.º 11.340/2006. A Lei do Estupro é de 2009, n.º 12.015. a Lei do Feminicídio é de 2015, n.º 13.104. São ótimas leis! Mas… Os Espancamentos e os Feminicídios são o alicerce estrutural da cultura masculinista. Nós todos, Sociedade, nós todos, Estado, seguimos espancando e matando Mulheres e Crianças.