Comportamento & Equilíbrio

Estupidez — Parte II

A sensação é que nadamos e nos afogamos, num oceano de estupidez que não sabe o que é a lógica, nem mesmo o bom senso

De onde surgiram as mentiras pseudotécnicas? É estarrecedor se deparar com arbitrariedades que se pretendem “afirmações absolutas”. São faladas como dogmas. Alienação parental, mãe narcisista, falsas memórias de crianças, constelação familiar, refazendo laços, revincular, reprogramação de criança, compromisso de aliança, são apenas alguns dos absurdos que têm sido espalhados. E, como são reduções simplificadas, não há o menor traço de preocupação com a necessidade de Ciência.
A Ciência é o que permite que, repetindo as mesmas condições, chegaremos ao mesmo resultado. O bebê é um cientista natural. Toda aquisição que ele galga, seja ela motora, linguística, intelectual ou afetiva, é resultado de sequência de repetição que busca confirmar uma hipótese, mesmo que o próprio bebê/criança não tenha capacidade de formular sua hipótese. Como somos seres epistemofílicos, estamos, incessantemente, atrás de Conhecimento. E continuamos com essa curiosidade, cada vez mais aguçada, quando acessamos as regras rigorosas da Ciência. E, somente seguindo os rigores da pesquisa sobre um ponto, conseguimos ter segurança para avançar no desenvolvimento. Inicialmente o desenvolvimento do corpo, acompanhado pelo desenvolvimento do conhecimento.

(Foto: Freepik gerada com IA)

No entanto, hoje a modernidade líquida invadiu esses alicerces sólidos e os derreteu. A Ciência vem sendo aviltada, insultada por afirmações falsas e levianas, que induzem ao erro. E tudo em tempo digital. O tempo e o espaço foram aniquilados pelo “click” de um teclado bem observado pelo Sociólogo Bauman. Essa instantaneidade se derramou sobre as relações afetivas, as relações sociais, e o mundo parece ter perdido a sua existência concreta. O virtual assumiu a vida e a importância que ela tinha.

No “click” chegou também a estupidez. O reinado da estupidez. A mesma aniquilação de tempo e espaço invadiu o campo do conhecimento para torná-lo superficial, ralo, fluido, sem etiologia, sem eira nem beira, dando lugar à proliferação de teses falaciosas, sem fundamentação. A verdade não importa mais. Assim como a roda, nos primórdios, foi concebida quadrada, a terra começou a sofrer a tese de ser plana. A roda quadrada precisava que alguns homens exercessem a força para empurrar a carroça, até que descobriram que, de tanto empurrar a carroça, ao desgastar as quinas do quadrado, a roda arredondava. Foi da estupidez que chegamos à roda redonda, para a terra plana, precisamos esperar que a capotagem arredonde o planeta.

A sensação é que nadamos e nos afogamos, num oceano de estupidez que não sabe o que é a lógica, nem mesmo o bom senso. Desde que algumas pessoas se autointitularam “experts” em algum assunto, ou em todos os assuntos, sem seguir nenhum estudo formal, desprezando a Ciência, todos se acham experts em tudo. Tornaram “opineiros” autoridades que se arvoram a “influenciar” a população digital e esta se encarrega de “copiar/colar” para todos os lados como se estivessem espalhando verdades absolutas. Conceitos científicos são entendidos pela metade ou terça parte, para dar uma maquiagem de seriedade. Não há escrúpulo. A precarização da escolaridade tem uma parcela nessa manobra pseudointelectual, mas não é a responsável toda. Há uma negligência do raciocinar, há uma preguiça de pensar, há um apego à instantaneidade do saber, que vindo assim, é facilmente descartado, também.

(Foto: Freepik gerada com IA)

É devastador o efeito dessa estupidez quando estamos lidando com a vida de vulneráveis. E ainda temos que lidar com a decepção de figuras antes representantes garantidoras da sensação de justiça. Como fazer para acomodar, conceito epistemológico do Piaget, que se refere à aquisição de desenvolvimento, assimilação e acomodação, o que não faz sentido algum.

Achar que determinado comportamento de violência física, incluindo tortura, e violência sexual, não estão mais acontecendo, “ele não bate mais e não vai mais bater” ou “ele não abusa mais, e não vai mais abusar”, frases que não têm nenhum respaldo de nenhuma ordem. Mas que justificam, sim justificam, súmulas que autorizam a convivência sem nenhum controle entre genitor predador e criança, liberando sem averiguar, sem investigar, porque, afinal, é apenas e tão somente um conflito familiar protagonizado pela mãe alienadora. O crime? que crime? O Mito da Família Feliz, título de artigo de uma Desembargadora que afirma, em subtítulo do referido artigo, A Cegueira da justiça, onde escreve que a Justiça legitima o incesto. E acrescenta (página 176 do livro “Incesto e alienação Parental — realidades que a Justiça insiste em não ver”, 2010) que o descrédito na fala da criança e a impunidade do agressor, permitindo que haja continuidade desse comportamento, E segue: “a Justiça acaba sendo conivente com o infrator, culpabilizando a vítima”.

Vale remarcar que essa é uma edição de 2010. Se contarmos que todas as denúncias de abuso sexual intrafamiliar, incestuoso, sofreram inversão para a Vara de Família, como sendo uma acusação de alienação parental, essa falácia, quanto de conivência com criminosos da infância somamos até hoje em 2025? Essa inversão para a Vara de Família foi uma instrução de Gardner, o médico generalista pedófilo, que inventou esse termo, que engendrou essa manobra para defender genitores abusadores.

Hoje, há uma estratégia que se constitui em dar novas alcunhas: polarização familiar para alienação parental, memórias vicárias para falsas memórias, reprogramação para lavagem cerebral executada por “psicóloga”, reconstituindo laços para um arranjo de constelação familiar, e assim por diante.
Não consigo encontrar outro termo. É estupidez.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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