Projeto de protagonismo internacional de Lula afunda após série de fracassos

O primeiro-ministro canadense, Mark Carney, gesticula em direção aos repórteres enquanto tenta redirecionar a atenção de Lula para os fotógrafos que aguardavam para fazer a foto oficial da Cúpula de Líderes do G7
Por Sílvio Ribas e Wesley Oliveira
Com falas controversas fora do país, gafes, posturas polêmicas em temas sensíveis e crescente desprestígio em eventos com líderes globais, inclusive os organizados pelo Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viu seu sonho de protagonismo na cena externa afundar antes do fim do mandato. Esse retrato de decadência e isolamento foi resumido por reportagem da revista britânica The Economist, apontando que o Brasil, outrora símbolo de projeção dentre os países emergentes, se tornou irrelevante em debates geopolíticos centrais e está cada vez mais desalinhado do ocidente.
O texto destaca a incoerência da política externa brasileira, com notório distanciamento dos Estados Unidos e aproximação crescente de regimes autoritários, como China, Irã e Rússia. A crítica maior vem ao citar nota do Itamaraty que condenou ataques americanos a alvos nucleares iranianos. A vinda de delegação iraniana à cúpula do Brics, que se inicia no domingo (6), no Rio de Janeiro, é vista pela revista como prova de antagonismo com os EUA. O Brasil transparece como refém das agendas de China e Rússia, cujos líderes autocráticos, Vladimir Putin e Xi Jinping, não comparecerão ao encontro.
Putin está impedido de vir, pois pode ser preso. Xi Jinping pode ter ficado desconfortável com o governo brasileiro desde a visita de Lula a Pequim, marcada por situações desconcertantes envolvendo Rosângela da Silva, a Janja. Em maio, na China, Janja teria reclamado, diretamente a Xi Jinping, que o algoritmo da plataforma chinesa favorece conteúdos da direita no Brasil. O líder chinês teria respondido que o Brasil tem o direito de regular ou banir o TikTok. A fala da mulher de Lula sobre o TikTok teria causado constrangimento durante a reunião do brasileiro com o ditador chinês. Com a repercussão negativa do incidente, Janja alegou ter sido “vítima de machismo”. Recep Erdogan, da Turquia, e Claudia Sheinbaum, do México, também não virão ao Rio, mas irão enviar representantes. Outra ausência no evento será a do ditador do Egito, general Abdel Fattah al-Sisi.
Itamaraty rebate crítica à política externa e vê “autoridade moral” de Lula
O Itamaraty enviou carta do chanceler Mauro Vieira à Embaixada em Londres em que rebateu as críticas da The Economist, e destacou a autoridade moral de Lula. A diplomacia brasileira afirmou ainda que poucos são os líderes atuais que, como ele, se mantêm firmes na defesa da democracia, sustentabilidade, paz e multilateralismo.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, Lula, que já foi chamado de “o cara” por Barack Obama, agora sofre crescente exclusão internacional. Isso se deve à diplomacia baseada em uma retórica superada e sem conexão com a realidade atual, sob comando do chanceler de fato, Celso Amorim. “O ambicioso projeto de Lula para reverter o que chamou de isolamento criado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), além de ampliar o próprio capital político, se mostrou frágil, sustentado mais por simbolismo do que por resultados”, avalia Márcio Coimbra, diretor do Monitor da Democracia.
O cientista político lembra que, apesar da intensa agenda diplomática, com mais de 40 viagens internacionais nos primeiros 18 meses de governo, e do discurso do “Brasil de volta”, a estratégia de Lula priorizou espaços multilaterais como ONU, G20 e Brics, sem alicerçá-la em ganhos concretos.
Por fim, pesaram contradições nas pautas democrática e ambiental e a defesa do chamado Sul Global (grupo outrora chamado de países em desenvolvimento), como contrapeso à hegemonia ocidental, que esbarrou na fragmentação do bloco e na estagnação brasileira. “A reindustrialização e atração de investimentos não vieram”, ressaltou Coimbra.
Lula e o Brasil ficaram de fora dos grandes debates globais, comenta professor
Para o professor Daniel Afonso Silva, da USP, o cenário internacional não dá margem real de protagonismo a Lula. “Temas centrais como o embate comercial entre EUA e China seguem ocorrendo à margem da diplomacia brasileira, e as tentativas de Lula de se inserir neles ainda geram ruídos”, diz.
Silva explica que a relativa impotência do Brasil diante dos grandes dilemas geopolíticos decorre, em parte, do rebaixamento da diplomacia nacional desde o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). “Lula tentou reabilitar o prestígio perdido, mas esbarrou em suas limitações e no contexto global”, pontua. Para o professor, com uma realidade interna de crise de legitimidade política, paralisia econômica e ausência de reformas estruturais, Lula não tem muito o que apresentar ao mundo.
Embora Lula presida os Brics, participe do G7 e se prepare para sediar a COP-30 [conferência do clima], essas credenciais não deram influência real”.
Na avaliação do especialista, a agenda brasileira é vista como “anacrônica e desalinhada com novos centros de gravidade do debate internacional”. A imagem que resta, diz ele, é a de “um presidente que segue nadando para não afundar — mas cuja exaustão e a do próprio país é visível a olhos nus”.
Lula é até recebido lá fora. Mas ninguém dá a mínima atenção para o que ele fala”, resumiu Silva.
Para o líder da oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), a dependência de Lula em se alinhar com ditaduras mostra a incapacidade do petista em liderar discussões internacionais. “O que se vê é um governo ancorado em discursos ideológicos defasados, com uma gestão marcada por improvisos, revanchismos e ineficiência. O Brasil de Lula já não empolga nem convence. A tentativa de posar como líder global do Sul geopolítico não se sustenta diante de contradições evidentes”, defendeu.
Plano para retomar protagonismo na cena global começou ainda em 2019
Logo após deixar a prisão e resgatar os direitos políticos, em 2019, Lula iniciou a campanha de reconstrução da imagem no cenário global. Apresentando-se como vítima de perseguição judicial e militante da democracia, o petista viu a chance de retomar protagonismo depois de voltar ao poder em 2022.
A recepção calorosa por líderes como Emmanuel Macron, da França, e Joe Biden, dos EUA, reforçou a ambição de Lula por liderar a fase de articulação global baseada no multilateralismo, no combate às desigualdades sociais e entre países e na agenda climática. Nenhuma dessas frentes prosperou. Na cúpula do G7 e no encontro do Brics no Rio, Lula viu-se marginalizado e ainda pressionado pela postura anti-Israel nos conflitos no Oriente Médio e até por tensões diplomáticas após as iminentes sanções americanas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Fonte: Gazeta do Povo