Reforma tributária muda o jogo, crédito só com recolhimento real

Conteúdo Publicado na Revista Aço5.0BR
A Reforma Tributária brasileira, com a criação do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) Dual composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) representa uma mudança profunda na forma como as empresas se relacionam com o Fisco e com seus parceiros comerciais. Entre as mudanças mais impactantes está a nova regra de creditamento condicionado ao pagamento efetivo do tributo pelo fornecedor.
O que muda?
A Lei Complementar n.º 214/2025 determina que os créditos da CBS e do IBS somente poderão ser apropriados após o efetivo recolhimento do tributo pelo fornecedor. Ou seja, o simples destaque do imposto na nota fiscal como ocorre hoje não garante mais o direito ao crédito. Isso mesmo!
Agora, o adquirente só poderá se creditar se o fornecedor efetivamente recolher o tributo aos cofres públicos. Essa regra cria um cenário de responsabilidade solidária, em que a adimplência fiscal do fornecedor passa a ser um fator crítico para a apropriação do crédito tributário pela empresa compradora.
Se o fornecedor não recolher o imposto, o Fisco poderá glosar o crédito do adquirente, impactando diretamente o custo de produção, a precificação e a margem de lucro da empresa. E atenção: mesmo meses após a operação, a Receita Federal poderá notificar o adquirente, com base no sistema de Apuração Assistida, que cruza dados fiscais em tempo real. Esse sistema identificará se houve o destaque do tributo na nota, mas não o recolhimento. O resultado? Glosa do crédito e efeito cascata o chamado “risco fiscal viralizado” que pode comprometer toda a cadeia produtiva, especialmente em um ambiente de alta carga tributária e baixa confiança empresarial.

Soluções preventivas
Diante desse novo cenário, é essencial adotar medidas preventivas para garantir segurança jurídica e sustentabilidade nas operações. A seguir, listamos as principais estratégias:
1. Split Payment (Pagamento Segregado)
O Split Payment é o mecanismo central criado pela Reforma para evitar inadimplência tributária.
Como funciona: no momento da liquidação financeira da operação, os valores referentes à CBS e ao IBS são automaticamente segregados e enviados diretamente ao Fisco. O fornecedor recebe apenas o valor líquido, já descontados os tributos.
Assim, o recolhimento do imposto fica garantido e o adquirente assegura seu direito ao crédito. As principais modalidades são:
🔹 Split Payment Inteligente:
Aplicável entre contribuintes da CBS e do IBS, calcula o valor exato a recolher com base na Apuração Assistida, considerando os créditos do fornecedor.
🔹 Split Payment Simplificado:
Utilizado em operações com o consumidor final, aplica um percentual predefinido.
2. Split Manual — uma alternativa para casos críticos
Nos casos em que o fornecedor esteja inadimplente ou mesmo seja um sonegador, e o Split automático não seja aplicável, o próprio adquirente poderá recolher o tributo diretamente.
Esse modelo, conhecido como Split Manual, é mais burocrático, mas garante o direito ao crédito. Está previsto no Art. 27, IV, e Art.36 da LC 214/2025 (“Recolhimento pelo adquirente”).
3. Auditoria e monitoramento da cadeia de suprimentos
Criação do “Credit Score Fiscal”
A nova regra exige uma postura proativa na gestão de fornecedores. Um bom caminho é a implementação de um sistema de “Credit Score Fiscal”, que permita:
🔹 Due Diligence Fiscal:
Avaliar previamente a situação fiscal e o histórico de compliance dos fornecedores antes de fechar negócios.
🔹 Monitoramento contínuo:
Utilizar tecnologia para acompanhar, em tempo real, a situação fiscal dos parceiros comerciais. É possível criar um “dashboard de risco” da cadeia de suprimentos para agir preventivamente.

4. Blindagem contratual
Os contratos com fornecedores devem ser atualizados para prever cláusulas específicas de responsabilidade fiscal, como:
🔹 Obrigação de ressarcimento caso a empresa adquirente seja penalizada;
🔹 Garantias contratuais para cobrir eventuais estornos de crédito;
🔹 Previsão do direito de regresso contra o fornecedor inadimplente.
5. Tecnologia e automação
A tecnologia será uma aliada fundamental neste novo ambiente tributário. As empresas devem:
🔹 Investir em sistemas integrados conectados à Apuração Assistida;
🔹 Automatizar a verificação da regularidade fiscal dos fornecedores;
🔹 Automatizar a aplicação do Split Payment nas operações;
🔹 Estabelecer alertas e relatórios periódicos sobre o comportamento fiscal da cadeia de suprimentos.
6. Seleção estratégica de fornecedores
A saúde fiscal passa a ser um critério tão importante quanto preço e qualidade. Algumas boas práticas incluem:
🔹 Priorizar fornecedores com bom histórico de compliance;
🔹 Diversificar a base de fornecedores para reduzir o risco de concentração;
🔹 Apoiar pequenos fornecedores na adaptação às novas regras isso pode ser estratégico e gerar ganhos reputacionais.
Além disso, é essencial planejar o fluxo de caixa considerando o impacto do Split Payment e prever reservas para eventuais estornos de crédito.
Conclusão
A nova lógica de creditamento fiscal introduzida pela Reforma Tributária exige das empresas uma guinada estratégica na forma de gerir seus processos, fornecedores e riscos. Não basta mais emitir ou receber uma nota fiscal com destaque do tributo. Agora, é necessário garantir que o imposto tenha sido efetivamente recolhido, sob pena de perder o direito ao crédito e sofrer impactos financeiros relevantes.
Mais do que nunca, a gestão tributária deixa de ser uma função isolada do departamento fiscal e passa a integrar o centro das decisões estratégicas do negócio envolvendo áreas como compras, contratos, TI, auditoria e finanças.
Empresas que se anteciparem, estruturarem seus processos e investirem em tecnologia estarão mais preparadas para não apenas sobreviver, mas crescer de forma sustentável nesse novo ambiente tributário.
A coluna Gestão Tributária continuará acompanhando os desdobramentos da implementação da Reforma e trazendo análises práticas para orientar empresários, gestores e profissionais da área fiscal.
Até a próxima edição!