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O silêncio que grita: a depressão nas mães de crianças autistas

Ser mãe de uma criança autista é viver em um universo paralelo dentro do próprio mundo. É um amor imenso que se mistura com exaustão, culpa e solidão. É abraçar o imprevisível todos os dias e tentar encontrar um sentido quando tudo parece fugir do controle. Mas, por trás da força admirável dessas mulheres, há uma dor, muitas vezes, invisível: a depressão.
A maternidade, em si, já traz mudanças profundas na vida de uma mulher. São noites maldormidas, inseguranças, ajustes emocionais e sociais. No caso da mãe de uma criança autista, esses desafios se ampliam — porque ela não enfrenta apenas o cansaço comum da criação, mas um cotidiano permeado por terapias, olhares de julgamento e a luta constante por compreensão.

Muitas dessas mães passam anos sem conseguir olhar para si mesmas. Estão sempre na posição de cuidadoras, esquecendo que também precisam de cuidado. Elas se tornam o eixo de uma rotina intensa: consultas médicas, fonoaudiologia, psicoterapia, terapias ocupacionais, escola, adaptação social. É como se o tempo não pertencesse mais a elas. A sociedade costuma olhar para o autismo pela ótica da criança, mas raramente volta o olhar para quem sustenta emocionalmente essa jornada. E é nesse esquecimento que a depressão encontra espaço.

(Foto: Freepik)

O peso da culpa e o silêncio emocional
A culpa é um dos sentimentos mais recorrentes nessas mães. Culpa por não ter percebido os sinais antes, por se irritar, por se sentir cansada, por desejar — ainda que secretamente — um descanso. Essa culpa adoece. Na escuta psicanalítica, a culpa materna muitas vezes está ligada à idealização da mãe perfeita. A mulher se cobra para dar conta de tudo e acredita que falhar é sinônimo de desamor. Mas quando o diagnóstico do filho chega, essa idealização entra em colapso. A mãe precisa aprender a lidar com o imprevisível e, ao mesmo tempo, com a sensação de não ser suficiente.

O silêncio também é um grande inimigo. Muitas mães se isolam, sentindo que ninguém compreenderia o que vivem. Há medo de julgamento, de serem vistas como “fracas” ou “reclamonas”. Porém, esse isolamento emocional é o terreno fértil para a depressão.

O corpo fala quando a alma cala
A depressão, nesse contexto, nem sempre se manifesta em choro ou tristeza. Às vezes, aparece como irritação constante, falta de energia, dores no corpo, insônia ou até a sensação de viver no “automático”. É o corpo tentando expressar o que a mente já não consegue traduzir.

Na psicanálise, compreendemos que, quando a palavra não encontra espaço, o sintoma fala. E, muitas dessas mães, não têm onde falar. Por isso, é tão importante criar espaços de escuta e acolhimento, onde possam se expressar sem medo de julgamento — seja em grupos de apoio, terapia individual ou rodas de conversa entre mães.

A importância do suporte emocional
O cuidado emocional da mãe é essencial também para o desenvolvimento do filho. Uma mãe que se permite cuidar de si mesma está mais fortalecida para cuidar do outro. O autocuidado não é egoísmo, é sobrevivência. É preciso que a rede de apoio — familiares, amigos, igrejas e instituições — esteja atenta. Uma mãe emocionalmente esgotada precisa ser acolhida, não cobrada. Pequenos gestos podem fazer diferença: oferecer ajuda prática, escutar sem dar conselhos prontos, validar seu cansaço e reconhecer seu esforço.

(Foto: iStock)

Da dor à transformação
A depressão materna, quando acolhida e tratada, pode se transformar em um caminho de autoconhecimento. A escuta terapêutica permite que a mulher reencontre sua própria identidade, para além da maternidade. Ela descobre que pode existir como mulher, filha, amiga e profissional — e que cuidar de si não diminui o amor pelo filho, mas o amplia.

O processo analítico também ajuda a ressignificar o olhar sobre o autismo, compreendendo que o filho não é um “problema a ser resolvido”, mas um ser com sua própria forma de estar no mundo. Quando essa aceitação acontece, algo se acalma dentro da mãe — e o amor ganha espaço para fluir de maneira mais leve e real.

Um chamado à sociedade
Falar sobre depressão em mães de crianças autistas é falar sobre responsabilidade coletiva. É entender que o cuidado não deve recair apenas sobre uma pessoa. É criar políticas públicas de apoio, redes de escuta emocional e espaços que promovam saúde mental materna.

Enquanto o mundo aplaude a força dessas mulheres, poucas vezes se pergunta o preço dessa força. Por trás do sorriso resiliente, há cansaço, lágrimas e, muitas vezes, um pedido de ajuda silencioso. O primeiro passo é escutar — escutar de verdade. Porque, às vezes, o que salva não é uma solução imediata, mas a presença empática de alguém que diz: “você não está sozinha”.

Núbia Arruda

Núbia Arruda

Núbia Arruda Formada em Administração Psicanalista Clínica

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