Comportamento & Equilíbrio

Feminicídio Continuado, Neoplasia, AVC e Infarte

Os fatos se sucedem em números alarmantes. Mas a interpretação da justiça segue sempre as instruções da seita em vigor: a mãe é louca, a criança, seu fantoche

Fui, fomos atropeladas pela vida interrompida de uma amiga. Valente incansável, sofreu por muito tempo. Depreciações e desqualificações que a atacavam em sua Voz brilhante, assentada em pesquisas, em leis, em resoluções, sabia muito sobre violência contra a mulher e a criança e as incontáveis violações auspiciadas por uma justiça que cedeu à pseudociência e ao mal senso.
Tomando essa amiga como exemplo, precocemente, abatida pelo coração, nos veio à memória as muitas, muitas mães que têm tido suas vidas ceifadas. São neoplasias, são acidentes vasculares cerebrais, são enfartes, são Feminicídios Continuados por processos torturantes de morte lenta, mas implacável.

Por óbvio, os assassinatos brutais, Feminicídios cruéis, praticados, em sua maioria, na presença dos filhos crianças. Era véspera de Natal. A Juíza Viviane, Rio de Janeiro, morta, pelo ex-marido, com 21 facadas, na frente das três filhas com idades entre nove e seis anos, é emblemática. Também a chacina de Campinas, quando foram assassinadas a ex-mulher e mais oito mulheres de sua família, e o próprio filho, por último para que assistisse a todas as mortes, seguido do suicídio do assassino. Era festa de Ano Novo. Não duvido que, depois de cumprir ⅙ da pena pelo assassinato da mãe, esse genitor peça e obtenha, quem sabe, a guarda das filhas.

A criança faz sua parte, relata os estupros intrafamiliares que sofre, e a justiça interpreta que é sua mãe que mandou mentir (Foto: Pinterest)

Os fatos se sucedem em números alarmantes. Mas a interpretação da justiça segue sempre as instruções da seita em vigor: a mãe é louca, a criança, seu fantoche, repete um relato falso. Essa seita foi inventada por um médico pedófilo que escreveu barbaridades, inclusive que a pedofilia beneficia a criança.

Vale acrescentar que, além dos Feminicídios e Infanticídios — também numerosos — enquanto arma para atingir, mortalmente, a Maternidade, temos denunciado um novo fenômeno gravíssimo. A ideação suicida de crianças motivada pelo desespero da insuportável impotência. A criança faz sua parte, relata os estupros intrafamiliares que sofre, e a justiça interpreta que é sua mãe que mandou mentir, e a entrega, justamente, para seu agressor sexual. Assim, a criança, sem saída, começa a pensar em se matar. E tenta.

O pior é que, quando denunciamos, passamos a ser alvos de agentes judiciários que empreendem verdadeiras campanhas de desqualificação, profissional e pessoal. E as crianças, seguem tentando. Mas nada convence um juízo. O sofrimento da criança é depreciado e desprezado. Crianças têm sido atendidas em urgência por tentativas que são incluídas no Protocolo de Suicídio. Mas, continuam mantidas as convivências com os abusadores. E os laudos que apontavam essa ideação suicida, continuam sendo renegados.

Muitas mães que têm tido suas vidas ceifadas (Foto: Pinterest)

E a justificação é expressa na frase “fez, mas não faz mais”. Admitindo o crime contra a criança, garante, não se sabe como, que aquele homem não vai mais repetir o crime. Mas admitir o crime, não deveria ser punido? E em que se baseia a certeza que não vai mais acontecer? Uma garantia de futuro que não cabe no corolário da justiça, que só trabalha sobre fatos acontecidos, de preferência com provas materiais. Se alguém faz uma denúncia porque há indícios que vai acontecer, é preciso esperar que aconteça. Mas, quando se trata de genitor agressor, ouve-se a garantia de que ele não vai mais fazer aquela violência. Numa criança. E o que foi praticado, com provas que não puderam ser desprezadas, não é punido, é premiado com a entrega da criança para ele. Brinde pelo crime cometido?

Nossa parceira da luta por proteção para as crianças, ainda jovem, teve o coração rasgado. Um Feminicídio continuado? Uma morte atribuída à falência cardíaca. Mas é o coração, onde moram os afetos, as emoções, o amor pelos filhos. Muito simbólico. Sei que os cardiologistas podem até justificar por um enfarte fulminante. Mas isso não invalida o cansaço de décadas de luta, de dor no coração, o dos afetos e emoções, a resistência à impotência misturada ao medo de ser criminalizada, presa, algumas já foram, por tentar proteger sua cria.

O coração dela era representativo de todos os corações que têm dor e choram diante das perversidades e barbáries hoje praticadas contra mulheres e crianças. Em seu nome, amiga, vamos continuar, você estará sempre presente.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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