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Violência e criminalidade: Perda do “fio da meada” — Parte 1

Por José Nivaldo Campos Vieira

Imaginemos grandes novelos de linha. Mas vamos dar asas à nossa imaginação. Imaginemos novelos bem grandes, muito grandes. Vamos para o século XIX, meado do século. Imaginemos estes novelos numa máquina de tear, daquelas surgidas no advento da revolução industrial, com o objetivo de produzir tecidos em larga escala.
Inovando na produção de tecidos, agora em larga escala, a máquina, revolucionária, substituta dos antigos teares, até então existentes, rústicos e rudimentares. Mas, ainda, como nos apetrechos antigos, dependia totalmente das mãos humanas, da ação humana. Nada as substituem. Felizmente.

Dotadas de suportes para os rolos de fios, as meadas, para que o equipamento funcionasse, atingisse seu objetivo, o homem tinha que colocar os novelos de linha, buscar as suas pontas, e conectar cada um dos fios na posição exata para que a máquina pudesse fabricar o tecido, o que fazia em alta velocidade.
Quando um ou mais fios partia, se desligava da engrenagem que fabricava o tecido, a máquina tinha que ser parada, e o fio, ou os fios partidos, precisava ser reconectado para que a máquina voltasse a funcionar corretamente. Caso contrário, o tecido sairia com defeito.

O ato de emendar os fios exigia muita atenção e concentração. Sem ter como acompanhar a velocidade da máquina, por vezes, um ou mais fios se partiam e o operário responsável pela produção do tecido, seja por falta de concentração, seja por cansaço, decorrente das estafantes e exaustivas jornadas de trabalho, não observava. Ele “perdia o fio da meada”, e o tecido fabricado ficava defeituoso, sem qualidade.
Surge então, na revolução industrial, a expressão ainda hoje popular: “perder o fio da meada”. Quem teve a oportunidade de trabalhar ou mesmo de visitar uma antiga fábrica de tecidos em Viana, famosa pela produção de linho, de reconhecimento e qualidade nacional e internacional, orgulho dos capixabas, lamentavelmente fechada, sabe exatamente como funciona o problema de “perder o fio da meada”.

Na linha de produção dos tecidos, principalmente em relação aos teares mais antigos (muito barulhentos, diga-se de passagem), se o operário não ficasse muito atento ao seu trabalho, ele “perderia o fio da meada”.
É possível se fazer uma perfeita analogia entre o fato histórico acima e a realidade, nua e crua, da violência e criminalidade que permeiam a sociedade atual. Em maior ou menor grau, mas, de maneira generalizada, atinge, afeta, atemoriza a sociedade como um todo.
Como em uma fabricação de um tecido, de algodão ou linho, produto mais moderno, as relações sociais são formadas, ou quem sabe poderíamos dizer, “teadas” (tecidas, costuradas) por cada um dos indivíduos existentes neste planeta, que se une por aspectos culturais, sociais, religiosos, políticos, econômicos.

Somos cada um de nós um caroço de algodão, um pedaço de fio. Quando nos unimos, fabricamos as linhas. De pedacinho em pedacinho, formamos os carretéis, de diversos e variados tamanhos. Família, rua, comunidade, município e, assim por diante. São muitos carretéis, milhares, milhões deles, que tecem o tecido social. Formam a malha social.
As relações sociais podem ser definidas como sendo de boa qualidade, quando cada uma das linhas participa ocupando seu lugar, seu espaço, com direitos e deveres no complexo “tear” que forma o tecido social, a malha social.

Quando isso não ocorre, quando um fio, um carretel se desprende do tear, quando “perdemos o fio da meada”, o tecido fabricado não terá boa qualidade. Sairá com defeito. O tecido social, hoje produzido na sociedade como um todo, e aqui me reporto de forma especial em relação à sociedade capixaba, no que se refere à violência e à criminalidade (dois fatores sociais que, embora gêmeos, desastrosos, perversos, não são univitelinos) não é, há muito tempo, de boa qualidade.
Eis, de forma simples e emblemática o nosso grande problema: “Perdemos o fio da meada”. Ele existe, está aí. Mas se encontra perdido. Solução: vamos encontrá-lo, vamos reconectá-lo. Para isso não há soluções imediatistas, de rompante. Uma longa caminhada começa sempre com o primeiro passo. Vamos “procurar o fio da meada”.

José Nivaldo Campos Vieira
Advogado, formado em Filosofia,
coronel da Reserva da PMES e
empresário da área de segurança privada
nivaldo@seiinteligencia.com.br

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