Cultura

Sobrevivência

O frio era intenso e extremo para a sobrevivência de qualquer forma de vida

Com imensa dificuldade para respirar, o jovem se arrastava pelas folhas caídas das árvores. Folhas e lodo que se misturavam ao chão úmido, naquele bosque sombrio. Não havia rumores de alguma civilização próxima, apenas resmungos de animais inquietos. O frio era intenso e extremo para a sobrevivência de qualquer forma de vida. A dor, insuportável, era causada pelas feridas abertas, cobertas por lama e dejetos orgânicos que praticamente o adubavam. Sim, adubado e mantido como parte de um todo. A sua fraqueza o impedia de seguir para qual fosse a direção.

Sua vulnerabilidade o igualava às presas noturnas que se arriscavam em busca da sobrevivência. Ele era um alvo fácil para qualquer criatura com um pouco mais de esperteza. Seus olhos não enxergavam o físico à sua frente. Então ele adormeceu e sangrou. Sangrou e despertou diante de um feixe de luz fraco, como o de um vagalume que aparecia e sumia por entre a neblina e as árvores ao seu redor.

O jovem assim permaneceu por horas e por alguns dias, sem beber, sem comer, sem se levantar. O dia e a noite não alteravam a sua rotina, imóvel. Apenas sobrevivia ao caos do seu mundo flagelado, à espera da morte. Sem fome, sem sede, sem vontade, ele parou de se arrastar para o nada. Resolveu se tornar um “condimento”, como folhas, sementes, como a vegetação rasteira que o cercava. Conseguiu pensar mais alto e quis se tornar árvore. Qualquer árvore. Bonita ou feia, pequena ou grande, fina ou grossa, importante ou não. Somente uma que o fizesse viver, sem ter que sobreviver. Porém, como poderia?

Talvez o segredo fosse se alimentar de tudo à sua volta: do solo, do humo (que trazia consigo uma infinidade de proteínas) e dos seres minúsculos que o cercavam. Para beber, apenas o orvalho da noite. Após a sua conclusão de que tal fato teria uma remota possibilidade de ser assertiva, ele iniciou o processo. Seu sangue havia coagulado junto à lama. Ele era parte dela, de tal modo que, se houvesse uma foto de um ângulo mais distante, jamais se perceberia a presença humana naquele local. A não ser que ele abrisse os seus olhos.

Ao sentir a leveza da brisa a tocar o seu corpo, percebeu que a vida ainda escorria pelos seus poros. E que o seu desejo de se tornar árvore estava distante. Pensou: o que adiantaria o esforço para ser o que não poderia jamais? Ou quem sabe poderia?

Seu consciente ainda vagava pela sua mente imortal e decidida a ter uma morte ecológica. Em sua prisão, os seus sentidos perderam as funções gradativamente. Seu olfato não sentia mais o cheiro de mato trazido pelo vento. Sua visão não transmitia mais alento, através dos detalhes preciosos de cada cor. Seu paladar estava amargo e infeliz diante de uma fome exaurida. O seu tato havia perdido a capacidade de transmitir formas, de experimentar energias e texturas. Sua audição estava perdida em um infinito de lama, e por conta disso até mesmo o canto dos pássaros havia deixado de existir.

Ele penetrou na sua essência mais intrínseca, desconhecida até então. Compreendeu que tudo aquilo era bom. Não pensar, não sofrer, não ouvir, não querer, não persistir, não tocar, não falar, não agir… E o resquício de um sentido o sobreveio, como um calafrio ligeiro sobre a alma de um forasteiro esquecido.
Seu falecimento não foi notado, nem homenageado. O jovem não foi sepultado. Ninguém ouviu as suas últimas palavras. Apenas uma mãe chorou em silêncio, pelo resto da vida, com a dor da incerteza. Naquele local, tempos depois, uma árvore nasceu, como uma herança para natureza, por uma dádiva do universo, ele sobreviveu.

Autor: Silvia Vanderss
Palavras: 613
Texto: Sobrevivência

Silvia Vanderss

Silvia Vanderss

Autora capixaba, com formação em Administração e Letras Seis obras publicadas que abrangem os gêneros, romance, suspense e poesia Blog literário: www.silviavanderss.com.br

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