Cientistas usam drones para medir efeitos da lama da Samarco em baleias e botos da foz do Rio Doce
Baleia jubarte mãe dando a primeira lição de natação ao filhote, que acabou de nascer
Um drone está ajudando pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) a estudar a biologia e o comportamento de golfinhos e baleias próximo à foz do rio Doce. Um dos objetivos da pesquisa é entender também os efeitos da lama, que chegou à região com o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, sobre a megafauna marinha. Para isso, o monitoramento será realizado durante vários anos. Os resultados preliminares mostram que o local é muito usado para alimentação e criação de filhotes.
De acordo com o biólogo Agnaldo Silva Martins, do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Ufes e líder do grupo de pesquisa, os estudos começaram em setembro de 2018, com testes de utilização de drones. “O objetivo é conhecer o ‘uso do habitat’ das espécies de golfinho que frequentam a região, sendo que pelo menos duas delas, o boto-cinza (Sotalia guianensis) e a toninha (Phocoena phocoena), estão bastante ameaçadas de extinção”, conta.
Martins explica que “uso do habitat” é como os golfinhos e baleias utilizam a região para sobrevivência, ou seja, se é para descansar, se alimentar, se levam os filhotes, se eles nascem no local ou se é só para passagem (deslocamento), por exemplo. “Com isso, saberemos o potencial impacto que a lama de rejeito da Samarco pode ter sobre essas espécies”, diz. “Quanto mais usarem [a região], mais delicada será a situação”.
O estudo está sendo feito com decolagens mensais do drone de três localidades, uma próxima à foz do rio Doce, uma a 10 km e outra 30 km ao sul desse local, junto à desembocadura de outro rio, o Piraquê-Açú. “De cada um deles, o aparelho sai e voa uma distância de 3 km a partir da praia, rastreando grupos de golfinhos, tartarugas, tubarões ou qualquer organismo grande o suficiente para ser visto de cima, a 50 m de altura”, explica Martins.
O modelo de drone empregado pelos pesquisadores é de uso pessoal (não profissional), pequeno, que pesa apenas 700 g e é muito fácil de transportar e montar para decolar. “Optamos por este aparelho devido ao baixo custo e aos altos riscos de perda pelo fato de voar sobre o mar”, conta Martins. “Se ocorre qualquer evento que obrigue o pouso, o perdemos, pois ele não é à prova d’água e, se isso ocorre, ele afunda. Já perdemos um dessa forma, que sofreu pane ao ser atingido por uma chuva rápida”.
Por enquanto, os cientistas não têm uma ideia definitiva sobre o efeito da lama da barragem da Samarco sobre a fauna local. De acordo Martins, os efeitos agudos já passaram e agora a região vive a fase crônica, na qual as alterações serão pequenas ao longo dos anos. Por isso, os órgãos ambientais federais e do Espírito Santo exigiram um monitoramento da biodiversidade marinha de longo prazo, de cinco a dez anos, justamente para saber se os efeitos crônicos estão aumentando ou não, e causando mais problemas para a fauna.
O trabalho será feito durante vários anos, para saber se o uso do habitat da foz do Rio Doce pela megafauna marinha aumenta ou diminui. “Se aumentar, isso pode significar que os efeitos da lama estão diminuindo e eles estão voltando a usar mais”, diz Martins. “Se diminuir, quer dizer que os crônicos estão atuando e vamos ter que pensar em soluções para reparar esse dano”.
Os resultados dos estudos vão dar subsídios para que se apliquem medidas mitigatórias (redução de impacto) e compensatórias (quando não é mais possível reduzir e se opta por melhorar a situação em outra região onde isso ainda é possível). Uma das medidas, por exemplo, seria a criação de áreas protegidas em locais mais preservados, para evitar que os animais sejam mortos por outras causas que os atingem, como as redes de pesca, por exemplo.
Paralelamente ao trabalho com os golfinhos, os pesquisadores estão fazendo testes também para aplicação do método para avaliar o uso do ambiente pela baleia jubarte. “Mas, como esses animais não se aproximam muito da costa, estamos fazendo a mesma coisa, só que decolando o drone a partir de um barco, o que é muito mais desafiador”, conta Martins. “Nesse caso, o monitoramento ainda não começou pra valer. Só fizemos os testes em 2019 e devemos iniciar o monitoramento agora em 2020, quando as baleias voltarem para a região”.
Fonte: BBC News Brasil