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A criança e o novo coronavírus – Parte II

Em tempos de pandemia do coronavírus, o isolamento é indispensável, pois a invisibilidade do inimigo é terrorífica. Portanto, Fiquem em casa!

Ainda no intervalo que estamos fazendo nos textos sobre o desenvolvimento da criança, o próximo a ser abordado é o desenvolvimento afetivo, vamos entender um pouco mais sobre essa situação traumática que todos vivemos, em especial as crianças: o coronavírus novo.
O isolamento é indispensável. Não o questionamos. No entanto, é preciso dimensionar os estragos de um vírus, praticamente, invisível. Ele mata alguns, às vezes, muitos, destrói o sistema de saúde de muitos países, ataca a economia doméstica e mundial, esmaga a vida das crianças sem nem mesmo tocá-las, tirando suas rotinas, seus amigos, suas escolas, seus parquinhos, seus passeios, tudo. Qual resposta dar quando uma criança de quatro anos que pergunta quando o coronavírus vai embora? Não sabemos mais quase nada das nossas certezas, mais quase nada dos nossos projetos, mais quase nada sobre o dia de amanhã.
A invisibilidade do inimigo é terrorífica. Para todos. Sua cognição não contempla o invisível. Assim como reluta em ir tomar banho nos dias que não vê sujeiras nos joelhos, por exemplo, e responde “eu estou limpinho”, “eu não me sujei hoje”, porque desconhece que banho, além de tirar sujeira visível, limpa a sujeira invisível, as células epiteliais e os micro-organismos que ali estão, o vírus é apenas uma palavra nova que ela não consegue ver. Portanto, ela não consegue dimensionar, só segue o padrão dos adultos porque, para ela, eles tudo sabem. A criança busca a segurança no adulto, mãe ou pai, ali do lado. Mas sente que ele não é capaz de assegurá-la. E percebe que eles, os adultos, estão mais inseguros do que ela, não consegue saber o motivo disso. Imersa em ambiente de muita tensão, frustração, incerteza e medo, a criança é invadida por essas emoções em quantidade e por tempo que não está capacitada. Mas, como na guerra, ela continua.
No entanto, há de se considerar que essa incapacidade para lidar com essa situação de confinamento trará para a criança consequência de seu mal-estar interno, no momento quase invisível. Mesmo que os adultos inventem muitas brincadeiras, que a escola envie tarefas pela internet, que ela fale com os amigos em salas de bate-papo virtual, dando até a impressão que está “bem”, esta adaptação à anomalia da situação de aprisionamento pela quantidade de perdas e a duração dessas perdas, muito provavelmente, promoverá alterações psicológicas. Mitigar o isolamento é muito importante. Mas, é como o próprio isolamento. Não existe outra alternativa para seu objetivo, lentificar a contaminação, o isolamento é como aquela quimioterapia que causa muitos efeitos colaterais horríveis. Já ouvi de pacientes que estão em quimioterapia severa, que preferiam o câncer. Ou seja, o remédio traz muito mais mal-estar do que a doença. Mas quimioterapia e o isolamento são indispensáveis para a luta pela vida.
Não posso deixar de alertar para a previsão provável, disse, provável, falo de possibilidade, de perspectiva. E de maneira reduzida. As possibilidades são inúmeras quando há uma situação traumática. Não é preciso ter uma bola de cristal para antever que essa situação traumática para as crianças trará problemas psicológicos para essa geração. Não excluo os adultos, que serão acometidos por distúrbios psíquicos. Depressões, aumento da violência, da arrogância, da importância vivida, quadro de pânico pela exacerbação dos medos, são alterações esperadas depois deste período de confinamento. Mas, quero olhar a criança nessa perspectiva.
Para a criança, o medo continuado, a despeito de outras situações de exposição ao Impacto do Estresse Extremo, que tipifica duas formas de violência contra a criança, a física e a sexual, essa exposição do medo continuado, traz estragos na mente ainda imatura. Se o registro desse medo, acrescido de tristeza das perdas provocadas pelo confinamento, estiver profundamente impresso na mente, duas vertentes podem aparecer: a depressão ou a claustrofobia.

Crianças usam máscara de proteção enquanto brincam em Hanói, no Vietnã (Foto: Reuters)


Sob o guarda-chuva da depressão, encontram-se quadros diversos que vão do humor desistente, da autoimagem de menos valia, de insegurança severa, até à falência da capacidade de construção de projetos, dos menores aos maiores, todos os quadros advindos da impotência sentida, continuamente, por muito tempo. A impotência diante do poder absoluto de um vírus invisível.
A claustrofobia pode se desenvolver em resposta ao esmagamento da possibilidade de “saída” vivida de maneira intensa. E ao ser exposta à situação de fechamento físico, esse estímulo pode provocar o surgimento e incontrolável de horror e pânico.
A impotência é um vírus de grande letalidade. Precisamos mostrar para nossos pequenos que não somos tão fortes, mas não somos tão fracos. Esta aprendizagem é de muita valia para a vida das crianças. Portanto, fiquem em casa!

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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