Comportamento & Equilíbrio

A importância do brincar para a Criança

Para a Criança, brincar é coisa muito séria

Para a Criança, brincar é coisa muito séria. Ao observar uma Criança falando sozinha, reproduzindo diálogos de personagens, com entonações, gestuais e expressões faciais que mudam ao mudar de personagem, podemos até comentar ou pensar “é coisa de Criança”, com um certo desdém. Mas, ali está se passando a cena de aprendizagem e fixação de várias competências.
Não parece, mas é brincando que a criança constrói seu desenvolvimento cognitivo. A imitação é um comportamento que é visto pelo ambiente como engraçado, mas está inscrito e previsto na Semiótica do desenvolvimento cognitivo, quando a criança começa a adquirir a capacidade de simbolizar coisas e emoções. O sorriso inaugura este imitar. É imitando, com gestos, palavras, expressões faciais, comportamentos, que a criança pequena experimenta encenar o mundo que ela observa a seu redor.
Todos lembramos os pequenos que, em algum momento, calçaram os enormes sapatos do pai ou da mãe, com salto, que, por vezes, estragava, e apareciam na sala orgulhosos do que entendiam como “ficando igual a gente grande”. Se observarmos a brincadeira predileta, o faz de conta, veremos que estão sendo encenados ali a postura, a curiosidade, os diálogos, os comportamentos da mãe e do pai. Naquele primeiro teatro, a criança descobre, imita, organiza o pensamento, e faz esboço das regras afetivas e sociais. Emoções e sentimentos estão sendo experimentados sob suas ordens.
Boneca, escola, luta de personagens são, talvez, os campeões de ocorrência. A maternagem e seus cuidados são trazidos e, expressam, muitas vezes, medos e angústias experimentados. Da fome à doença, aquela pequena mamãe da boneca cuida e “resolve” a angústia contida no script. Se observarmos, sem atrapalhar, constatamos que a criança consegue se isolar e mergulhar num universo do imaginário. Esta atividade imaginativa é fundamental para fundar a capacidade criativa.
Na ausência dos brinquedos, a criança é capaz de transformar qualquer objeto, uma caixinha, um enfeite, em personagens que vivem situações cotidianas onde há sempre o esboço de leis e códigos sociais, onde, não raro, a criança exerce o Poder, por imitação ao que vive. O faz de conta de cada um sozinho, vai cedendo lugar aos jogos e competições. O outro, um amiguinho, e os amiguinhos, começam a tomar um espaço de socialização que vai se tornando cada vez mais consistente. Os jogos trazem as regras, as leis e dão início aos códigos. As competições trazem os sentimentos de colaboração nos jogos de equipe, e de rivalidade nos jogos disputados por dois, tudo em torno do prêmio do vencedor. A vitória passa a ser desejada como se definisse a própria identidade do competidor.
No entanto, quando o brincar está preso aos joguinhos eletrônicos, este imaginário vem pronto e pobre no cenário e no automatismo do jogo. E, sem diálogos. As falas reproduzidas são da maior importância. Elas são constitutivas das relações interpessoais de todas as nuances de afetos. Nos brinquedos prontos, o imaginário não é alimentado quando não tem liberdade, em mínimo de cerceamento.
Autores se debruçaram sobre o brincar da criança. O psicanalista inglês Winnicott escreveu “o brincar e a realidade”, e, entre nós, a psicanalista Sônia Carneiro Leão escreveu “brincar é coisa séria”, marcando a importância da relação entre o brincar na infância e a saúde mental da idade adulta.

Atividade de faz de conta (Foto: Kelly Tan)

Mas, para que esse brincar patrocine o bom desenvolvimento, ele tem que ser o mais livre possível. Ou seja, é necessário que o tema, o tempo, os retornos à realidade que continuou no entorno, tudo esteja muito livre para a criança dirigir o faz de conta.
Muitas vezes nos equivocamos promovendo “socializações” nesta fase. As crianças até aceitam um amiguinho ou amiguinha, mas logo se observa que elas brincam sozinhas, uma ao lado da outra. Cada uma segue o seu próprio processo de enriquecimento pelo brincar. Isto é saudável. O brincar a dois e a mais vai ganhando espaço, mas o brincar sozinho acompanha a criança por toda a sua infância. Por isto, é importante que ela tenha um tempo do não fazer nada. É o tempo de sua imaginação.
Por outro lado, é equivocado pensar que, pelo fato da criança deslizar com facilidade para o mundo imaginário, ela é refém dele. Este é um campo de domínio dela. A criança, desde os três, quatro anos, é capaz de fazer a distinção entre seu mundo de fantasia e a realidade, portanto ela visita e sai do seu imaginário quando ela quer. E sabe quando está num lugar ou no outro.
É preciso entender o conceito de criatividade em toda sua extensão, para além da já importante função na criação artística em suas várias expressões. É esta mesma criatividade nos pincéis, na música, na escultura de alguns talentos, também é integrante da capacidade de dar soluções para problemas ou para elaborar hipóteses de pesquisa em qualquer campo. Os procedimentos da Ciência nascem da criatividade de imaginar novas hipóteses e buscar, rigorosamente, suas comprovações.
O brincar tem mais uma função importante. Ele permanece na vida adulta como traço de humor, dando leveza às situações. A fantasia daquele mundo de faz de conta, em medida não excessiva, estimula as relações amorosas nas fases de ‘apaixonamento’. E ainda, este brincar conservado é indicativo de inteligência e saúde mental.
Capacidade imaginativa, imitação construtiva, mecanismo de defesa para mitigar conflitos, frustrações e traumas, emoções, sentimentos, medos, raivas, busca de Poder, comportamentos afetivos, aquisição da capacidade de simbolização, o brincar é o patrocinador pelo faz de conta de toda esta expansão. E, seguindo um princípio básico que norteia todo o nosso campo psicológico, é a quantidade que distingue o que é o brincar a saudável tentativa de compreensão da realidade, e o que é o brincar como a fuga da realidade, o refúgio que uma Criança se esconde. Mas, é preciso garantir, para a criança, o tempo de não fazer nada, o devaneio. Brincar é muito mais do que brincar.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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