Comportamento & Equilíbrio

E o adolescente? Momento da mistura de liberdade e dependência — Parte I

Se a infância segue uma linha crescente dirigida a aquisições novas, a adolescência vem como uma revolução

Vamos dar um salto cronológico. A infância é um espaço infinito para se fazer reflexões. Logo voltaremos a ela. Sua importância está no alicerce de nossa formação como pessoa. Mas, uma preocupação me trouxe para um período de transição, onde mudanças drásticas são operadas. Mudanças biológicas, mudanças afetivas, mudanças sociais.
Muita turbulência. Se a infância segue uma linha crescente dirigida a aquisições novas, a adolescência vem como uma revolução. É preciso “matar’ os pais infantis. O passo no sentido da vida adulta é largo e profundo, mas não há ainda pernas e pés para tanto. Mas a avalanche de hormônios não permite voltar para a infância. Desejo há, por vezes. Falta de menores cobranças de responsabilidade, falta daquele “passar a mão na cabeça” com mais tolerância e menos exigências, falta, até, do colinho.
O crescimento é desordenado. Quantas vezes aquela ex-criança se torna desajeitada e desastrada, esbarrando sem querer em objetos e portas, porque seu esquema corporal não consegue acompanhar a velocidade dos esticões dos membros superiores e inferiores, que passam pequenos períodos parecendo que estão descontrolados. Esta parte é visível. Mas, a avalanche hormonal é invisível a olho nu. Os impulsos, os desejos novos, incluindo os sexuais ou pré-sexuais que estavam adormecidos na segunda infância, o pensamento que adquire uma dimensão voltada para o infinito, que se afasta cada vez mais do concreto em direção ao abstrato. Os humores que, às vezes mudam ao sabor de um vento. É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo.
E o futuro se aproxima muito rápido. Não é mais a resposta do “o que você quer ser quando crescer”, já é o momento desta escolha profissional que precisa de uma resposta razoável. Não cabe mais querer ser bailarina, lixeiro, caminhoneiro de cegonha, professora de bonecas, atriz ou jogador de futebol. Até porque já descobriu que pode ser bailarino clássico ou de street dance, jogadora de futebol, empresário ou empresária de indústria de reciclagem. Pode ser muitas profissões que se excedem aos estereótipos da infância, ainda sujeitas às regras antigas e aos preconceitos de gênero.
Em meio a esta enorme oferta de caminhos, com a cabeça borbulhando, lhe é exigida uma definição de escolha profissional, que implica numa relação estável por muitos anos. O critério ou os critérios são submetidos à sua imaturidade emocional e à incompletude de seu desenvolvimento cognitivo. Equívocos podem ser cometidos. Assistimos suas correções que acontecem ao longo da vida. Algumas sem prejuízos, outras com prejuízos, quando demoram a ocorrer.
A adolescência é uma transição, mas é também em si mesma. Para fazer frente a todo este turbilhão de coisas, o adolescente vive uma mistura de liberdade, que deseja crescente e com foco na sua família, e uma dependência aprisionante do seu grupo de pares. Porque ele rompe com as convicções familiares, ele passa a se sentir muito desamparado. Ele provoca discussões intrafamiliares, mas ele não aguenta se ver só. Assim, é indispensável que ele entre em outro grupo. As tribos de adolescentes criam um código de pertencimento que inclui as vestimentas, as gírias que chegam a ser uma outra língua, os comportamentos, as posições diante dos adultos ou de outras tribos.
Ele tem que administrar a contradição de ser totalmente diferente dos membros de sua família e, ao mesmo tempo, ser totalmente igual aos pares de seu grupo. E este é um desgaste continuado. Ele não pode cometer nenhum errinho nem na hora de se mostrar diferente, nem na de ser igual. Ser diferente em um lado, e igual em outro lado. Rigorosamente. A sensação de onipotência é uma necessidade diante da vivência interna de fragilidade pelo rompimento de tudo da infância. Metaforicamente, dizemos que o adolescente precisa matar os pais da infância. Mas isto lhe custa caro.
Nesta sede de se sentir grande, ele se torna o grande. Ele tem a solução para os problemas sociais do mundo, ele tem a solução para as grandes questões filosóficas da humanidade. E não aceita questionamentos, nem pequenos, nem grandes. Ele tem as certezas que os adultos nunca enxergaram.

No entanto, apesar desta aparente onipotência do “sabe tudo”, o adolescente sofre muito com medos ainda infantis. Medo de não ser mais gostado, medo de não dar conta, medo da vida sexual que se aproxima, medo de ser excluído pelos seus pares da sua tribo. Ele vai perdendo o medo dos adultos do entorno que tinham autoridade sobre ele na infância, e vai tendo medo dele mesmo. Medo de sua autoavaliação, em geral bem rigorosa. Medo do não conseguir. Liberdade que não conhece e quer toda. Dependência de aprovação pelos iguais.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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