Comportamento & Equilíbrio

Como cresce uma Criança? — Parte VIII

Quanto mais assegurada pelo ambiente afetivo, mais a Criança satisfaz sua tendência pelo conhecimento

Crescer dói. Cada nova aquisição traz o abandono do conforto, da condição anterior que tinha privilégios pela maior dependência de um adulto. A atenção especial, indispensável, que é imprescindível à Primeira Infância, é responsável pela saúde física e, principalmente, mental da Criança, e do posterior indivíduo adulto, competente para as relações afetivas e sociais com os demais adultos. Daí a importância da qualidade do afeto/cuidado com o bebê/criança, entre zero e seis anos. Iniciando pela sustentação do bebê no colo seguro, passando pelo incentivo confiante a novas descobertas, tendo como meta a sustentabilidade maior da humanidade. É preciso organizar e humanizar o montante de potencialidades que vem contido no ser incompleto que nasce, tudo, através desse processo continuado.

São os jogos corporais, que começam com se esconder atrás da fraldinha, brincadeira realizada por bebês quando adquirem a coordenação óculo-manual, e se expandem em movimentos por áreas maiores (Foto: Reprodução Facebook)

Todo novo desaloja o estabelecido. A curiosidade pelo novo traz medo, insegurança, mas, também, prazer na gratificação sentida quando do bom resultado. Uma aquisição, de qualquer ordem dos vetores do desenvolvimento, sedimenta a autoconfiança, a autoestima, a capacidade de empatia espelhada no adulto estimulador do movimento de conquista. É um processo relacional por excelência, como é a característica do humano. Relacional. Há que se compreender a dependência, tão, frequentemente, vista como negativa, nessa dimensão relacional, entre pessoas, um processo que traz crescimento para a Criança e para sua cuidadora ou seu cuidador. Ambos, crescem.
Se o Método Mãe Canguru, MMC, para bebês prematuros, reduz a taxa de infecções, favorece a produção de leite da mãe, faz com que o bebê aumente de peso mais rapidamente, e, tudo isso, favorecendo o fortalecimento do vínculo mãe-bebê, o sequenciamento relacional contínuo, o afeto, é a construção dessa pessoinha.

A formação da identidade vai se estruturando neste espelhamento recíproco. O bebê olha e é olhado (Foto: CanStock)

Esse processo de troca contínua ecoa o reconhecimento da pessoa bebê, quando nasce o sentimento de pertencimento àquele grupo familiar. A formação da identidade vai se estruturando neste espelhamento recíproco. O bebê olha e é olhado, nomeia e é nomeado, identifica e é identificado. É um jogo de espelhos que refletem imagens em grande rapidez.
Considerando essa importância essencial para a formação integral da Criança, o CNJ, Conselho Nacional de Justiça, promoveu, e prossegue, em 2019, o Pacto da Primeira Infância, do qual sou signatária, entre 300 pessoas e entidades sociais que se preocupam com a garantia do desenvolvimento integral da Criança.

A segunda infância, fomenta a epistemologia dos códigos, das regras. São os jogos corporais, que começam com se esconder atrás da fraldinha, brincadeira realizada por bebês quando adquirem a coordenação óculo-manual, e se expandem em movimentos por áreas maiores, seguidos dos jogos de tabuleiro, quando a contenção do corpo entra em cena. Brincar é uma aprendizagem de regras, critérios, sensações boas e ruins. Mesmo nos jogos mais simples, o exercício da memória, das classificações e sequências, da tentativa de antecipação da atitude do oponente, desenvolve a organização cognitiva em coordenação com os movimentos. Jogos de ação corporal ou jogos de raciocínio acompanham o passo a passo da escolaridade. Quem estimula quem? Parece que andam juntos, inseparáveis.

Brincar é muito sério para a criança (Foto: Getty Images)

Brincar, portanto, é muito sério para a Criança. Como um pequeno cientista, toda a aprendizagem se faz em processo onde a organização das variáveis a serem testadas, são rigorosamente localizadas e separadas. Pode parecer que a Criança não sabe o que está fazendo, ou não coordena nada no seu comportamento, ou que tudo tanto faz. Mas há uma lógica, mesmo que rudimentar e falha pela sua imaturidade, em seu brincar, há uma regra sempre que ela segue.
Quanto mais assegurada pelo ambiente afetivo, mais a Criança satisfaz sua tendência epistemofílica. Ou seja, a curiosidade, o interesse pelo conhecimento de tudo ao seu redor, depende, diretamente, da segurança afetiva que ela tem. A famosa carência afetiva vivida por falta, ou inadequação de afeto primordial, tanto quantitativa quanto qualitativamente, imprime na criança uma sensação permanente de dúvida sobre si mesma. “Se não sou gostada é porque não presto”, “se não se importam comigo é porque sou errada”, são interpretações feitas pelos pequenos quando o afeto não foi suficientemente bom. Não falamos de perfeição, mas de processo de qualidade, predominantemente, boa. Há lugar para erros, para faltas, mas que a padronagem seja firmemente de bom cuidado.

Para a Criança, é ela que interpreta os comportamentos e sente as suas emoções (Foto: iStockphoto/monkeybusinessimages)

A carência afetiva tem intensidades variadas. Para a Criança, é ela que interpreta os comportamentos e sente as suas emoções, a repetição parece empurrá-la para uma certeza de descuidado, de desafeto. É um texto contínuo, cuja leitura pode promover adoecimentos psíquicos, transitórios, ou permanentes, leves, moderados ou severos. O tempo de duração e a intensidade de uma falha afetiva, vão desenhar o tamanho do estrago afetivo. E, se começa no grupo familiar, essa falha segue para fora dos muros familiares. A escola, primeira micro sociedade, e as instituições que a Criança vai tendo contato, podem frustrar de tal maneira, que patologias se instalem nessa mente ainda muito vulnerável. Quando a Escola cumpre sua função, isso é afeto. Assim como, quando o Estado garante Direitos à Criança, é afeto.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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