Como cresce uma Criança? — Parte VIII
Quanto mais assegurada pelo ambiente afetivo, mais a Criança satisfaz sua tendência pelo conhecimento
Crescer dói. Cada nova aquisição traz o abandono do conforto, da condição anterior que tinha privilégios pela maior dependência de um adulto. A atenção especial, indispensável, que é imprescindível à Primeira Infância, é responsável pela saúde física e, principalmente, mental da Criança, e do posterior indivíduo adulto, competente para as relações afetivas e sociais com os demais adultos. Daí a importância da qualidade do afeto/cuidado com o bebê/criança, entre zero e seis anos. Iniciando pela sustentação do bebê no colo seguro, passando pelo incentivo confiante a novas descobertas, tendo como meta a sustentabilidade maior da humanidade. É preciso organizar e humanizar o montante de potencialidades que vem contido no ser incompleto que nasce, tudo, através desse processo continuado.
Todo novo desaloja o estabelecido. A curiosidade pelo novo traz medo, insegurança, mas, também, prazer na gratificação sentida quando do bom resultado. Uma aquisição, de qualquer ordem dos vetores do desenvolvimento, sedimenta a autoconfiança, a autoestima, a capacidade de empatia espelhada no adulto estimulador do movimento de conquista. É um processo relacional por excelência, como é a característica do humano. Relacional. Há que se compreender a dependência, tão, frequentemente, vista como negativa, nessa dimensão relacional, entre pessoas, um processo que traz crescimento para a Criança e para sua cuidadora ou seu cuidador. Ambos, crescem.
Se o Método Mãe Canguru, MMC, para bebês prematuros, reduz a taxa de infecções, favorece a produção de leite da mãe, faz com que o bebê aumente de peso mais rapidamente, e, tudo isso, favorecendo o fortalecimento do vínculo mãe-bebê, o sequenciamento relacional contínuo, o afeto, é a construção dessa pessoinha.
Esse processo de troca contínua ecoa o reconhecimento da pessoa bebê, quando nasce o sentimento de pertencimento àquele grupo familiar. A formação da identidade vai se estruturando neste espelhamento recíproco. O bebê olha e é olhado, nomeia e é nomeado, identifica e é identificado. É um jogo de espelhos que refletem imagens em grande rapidez.
Considerando essa importância essencial para a formação integral da Criança, o CNJ, Conselho Nacional de Justiça, promoveu, e prossegue, em 2019, o Pacto da Primeira Infância, do qual sou signatária, entre 300 pessoas e entidades sociais que se preocupam com a garantia do desenvolvimento integral da Criança.
A segunda infância, fomenta a epistemologia dos códigos, das regras. São os jogos corporais, que começam com se esconder atrás da fraldinha, brincadeira realizada por bebês quando adquirem a coordenação óculo-manual, e se expandem em movimentos por áreas maiores, seguidos dos jogos de tabuleiro, quando a contenção do corpo entra em cena. Brincar é uma aprendizagem de regras, critérios, sensações boas e ruins. Mesmo nos jogos mais simples, o exercício da memória, das classificações e sequências, da tentativa de antecipação da atitude do oponente, desenvolve a organização cognitiva em coordenação com os movimentos. Jogos de ação corporal ou jogos de raciocínio acompanham o passo a passo da escolaridade. Quem estimula quem? Parece que andam juntos, inseparáveis.
Brincar, portanto, é muito sério para a Criança. Como um pequeno cientista, toda a aprendizagem se faz em processo onde a organização das variáveis a serem testadas, são rigorosamente localizadas e separadas. Pode parecer que a Criança não sabe o que está fazendo, ou não coordena nada no seu comportamento, ou que tudo tanto faz. Mas há uma lógica, mesmo que rudimentar e falha pela sua imaturidade, em seu brincar, há uma regra sempre que ela segue.
Quanto mais assegurada pelo ambiente afetivo, mais a Criança satisfaz sua tendência epistemofílica. Ou seja, a curiosidade, o interesse pelo conhecimento de tudo ao seu redor, depende, diretamente, da segurança afetiva que ela tem. A famosa carência afetiva vivida por falta, ou inadequação de afeto primordial, tanto quantitativa quanto qualitativamente, imprime na criança uma sensação permanente de dúvida sobre si mesma. “Se não sou gostada é porque não presto”, “se não se importam comigo é porque sou errada”, são interpretações feitas pelos pequenos quando o afeto não foi suficientemente bom. Não falamos de perfeição, mas de processo de qualidade, predominantemente, boa. Há lugar para erros, para faltas, mas que a padronagem seja firmemente de bom cuidado.
A carência afetiva tem intensidades variadas. Para a Criança, é ela que interpreta os comportamentos e sente as suas emoções, a repetição parece empurrá-la para uma certeza de descuidado, de desafeto. É um texto contínuo, cuja leitura pode promover adoecimentos psíquicos, transitórios, ou permanentes, leves, moderados ou severos. O tempo de duração e a intensidade de uma falha afetiva, vão desenhar o tamanho do estrago afetivo. E, se começa no grupo familiar, essa falha segue para fora dos muros familiares. A escola, primeira micro sociedade, e as instituições que a Criança vai tendo contato, podem frustrar de tal maneira, que patologias se instalem nessa mente ainda muito vulnerável. Quando a Escola cumpre sua função, isso é afeto. Assim como, quando o Estado garante Direitos à Criança, é afeto.