Falsas memórias, uma falácia nos laudos psicológicos de Crianças — Parte VI
As armadilhas verbais são usadas por policiais e pelo judiciário para obter a alegação da contradição
É muito fácil construir, propositalmente, “pegadinhas”, armadilhas verbais, meticulosamente preparadas para afirmar nos laudos que a Criança entrou em contradição porque era uma falsa memória dentro do intuito de alienação parental da mãe. Vista, preconceituosamente, como rancorosa, vingativa, interesseira e louca, observa-se que as avaliações são simples “confirmações” dessa adjetivação pejorativa alcunhada à mãe.
As armadilhas verbais são usadas por policiais e pelo judiciário para obter a alegação da contradição. É fácil de levar um adulto à contradição ou a perder o equilíbrio pela tática da acusação de contradição em cortes compulsivos durante seu relato. Muito fácil desestabilizar com uma saraivada de “mas você disse que” e antes que ele explique, já lhe interromper como uma “prova” forjada de contradição. Com a Criança é menos fácil porque ela não abre mão de seu relato, mas é possível distorcer no laudo o que disse, afirmando que ela decorou um texto, o que, como já dissemos, contraria a Natureza, porquanto ela só memoriza o que ela experimentou.
Se a avaliação usada, desobedecendo a lei, for o “estudo psicossocial”, incluindo a devastadora acareação com o suspeito, o texto é interpretativo. Totalmente. Se for usada a Escuta Especial, a gravação em áudio e vídeo da fala da Criança é desqualificada pela alegação da tal “implantação de falsas memórias”. Essa tese tomou espaço, exatamente, quando se começou a usar a Escuta Especial. A intenção é sempre a de invalidar a voz da Criança.
Partindo dessa tese de “achismo” sem fundamentação teórico-técnica, os laudos passam a ser um rol de desqualificações da voz da Criança e da Mãe. Não precisa estudar muito para compreender que uma Mãe, que descobre uma situação de abuso físico ou sexual perpetrado pelo genitor da Criança, vai, claro, querer evitar as ocasiões em que esse agressor tenha possibilidade de repetir o ato traumático. Só basta ter capacidade empática para sintonizar com a Criança, se aproximar da dimensão avassaladora do sofrimento que lhe foi imposto.
Não se sabe quem espalhou uma falácia nociva que determina que uma Criança não se desenvolve se não houver convivência com o pai. Qualquer que seja ele. Qualquer que seja seu comportamento para com a Criança. Não sei como essa conta fecharia se vivemos num País que tem uma Cultura de abandono paterno tão intenso que somam milhões as Crianças que não conhecem seu pai, porque ele foi embora. Mães solo garantem a sobrevivência dos pequenos. Mas quanto a esses a justiça não vai atrás, não se importa com os filhos abandonados. Os pais das Crianças acometidas por microcefalia pelo Zika Vírus sumiram. 69% desapareceram deixando para trás uma mãe com uma Criança, totalmente, dependente para sempre.
Os filhos de Mães Solo se desenvolvem, sim. Qualquer que seja o motivo, nem sempre a ausência do pai estraga o desenvolvimento da Criança. Mas a presença abusiva destrói. É preciso entender que um pai que viola o corpo de um filho, ou filha, rasgou sua possibilidade de exercer a função de pai. Essa violação quebra a formação do Código de Ética e do Código Moral da Criança. E deforma. Os filhos de pais mortos, são muitos pela situação que vivemos de guerra urbana, podem ter preservada a imagem afetiva do pai, e tomando, por exemplo, uma guerra, os filhos podem ter a presença saudável do pai trazida pela mãe. Causa saudade, causa falta, mas não deforma.
No entanto, parece que os estudos para uma parte do corpo técnico no que tange a área da Psicologia não leram as definições e os textos sobre vínculo afetivo. Há uma distorção no que se refere ao vínculo. Não é a frequência, não é a convivência ordinária, que constrói ou mantem um vínculo. Ele está embebido e vetorizado pelo afeto.
Não se sabe também quem espalhou que a visitação assistida ao agressor, ou a visitação por vídeo, não faz mal à Criança. Essas formas de exposição ao agressor são, absolutamente, nefastas. O fato de ter alguém acompanhando não garante a integridade da Criança.
Sabemos de inúmeros casos de pais que se trancam no banheiro com a Criança, que se afastam, que colocam alguém para impedir a proximidade do acompanhante. O vídeo é também uma forma de repetir gestos, palavras, recordações dos episódios de abuso. São revitimizações. São formas de violência institucional contra a Criança. Precisamos entender que a mente da Criança que sofreu violência intrafamiliar ou incestuosa precisa descansar, se regenerar. Depois, ela algo recuperada pode por decisão própria procurar esse pai. Mas, em outra condição de não mais total vulnerabilidade.
Sabemos que a Ciência do Conhecimento da Psicologia não é exata. No entanto, as Ciências Humanas têm Método, têm objetividade na subjetividade. Sobretudo, ter bom senso, ter coerência, seguir a realidade. Mas o que se constata é que as “interpretações” se sobrepõem aos fatos, a imparcialidade sumiu abrindo espaço para os preconceitos e os estigmas seculares, e o estudo é cada vez mais escasso entre esse corpo técnico que sentencia sem a menor cerimônia. Pune-se a Criança que perde a Mãe. Pune-se a Mãe que é impedida de seu Direito à Maternidade. E pior, quem deveria julgar considerando o Princípio do Melhor Interesse da Criança e seguindo os Artigos do ECA, obedece à sentença dada por um profissional da Psicologia.