Parque Güell: o desastre urbanístico por trás da obra-prima de Antoni Gaudí

O espaço foi concebido como uma cidade-jardim para 60 pessoas, mas apenas três pessoas chegaram a morar lá — o idealizador, o arquiteto e o advogado de ambos
Por Aline Melo
Um dos diversos cartões-postais de Barcelona, na Espanha, o Parque Güell nasce como uma cidade-jardim. O conceito, importado da Inglaterra, previa a construção de uma comunidade privada e planejada para a elite burguesa, com um número limitado de casas, áreas verdes, muros protetores e espaços comunitários. A história começa em 1899, quando o conde Eusebi Güell compra 17 hectares no alto da Montaña Pelada, assim denominada pela ausência de cobertura vegetal.
Nessa época, havia uma obsessão com a vida saudável na Europa, com a consciência de que a industrialização trazia coisas negativas para a saúde. Portanto, os mais ricos estavam em busca de zonas mais saudáveis, afastadas do centro industrial”, explica Jofre Pons, guia oficial do Parque Güell. “Até hoje o bairro é conhecido como La Salut”, completa.
O arquiteto catalão Antoni Gaudí foi encarregado de criar uma infraestrutura integrada, com viadutos, escadas, caminhos e pontes que conectassem os lotes e serviços, mantendo a topografia natural do terreno. Tudo isso envolvido por uma densa vegetação mediterrânea, que despertasse a fantasia naturalista.
A Sala Hipóstila, idealizada como mercado, revela soluções avançadas de engenharia, como o sistema de captação e filtragem de água da chuva sob suas 86 colunas. Elementos simbólicos e religiosos estão por toda parte, como as diversas cruzes e as bolas de pedra junto à estrada, que remetem ao rosário.

O projeto foi um desastre urbanístico sem precedentes. Das 60 casas previstas, foram construídas apenas duas e uma antiga foi remodelada para o senhor Güell”, conta o guia.
A distância da cidade, a falta de transporte público para os empregados, o alto custo, a metragem enxuta dos lotes e as regras rígidas de construção acabaram por afastar os interessados. Apenas Eusebi Güell, Antoni Gaudí e o advogado Martí Trias i Domènech, amigo pessoal de ambos, chegaram a experienciar a cidade-jardim, iniciativa abandonada em 1914.
Em 1926, o local foi convertido oficialmente em parque público pela Prefeitura de Barcelona. A casa-piloto concebida pelo arquiteto Francesc Berengueronde, colaborador de Gaudí, onde ele viveu com o pai e a sobrinha de 1906 a 1925, foi convertida na Casa-Museu Gaudí em 1963.
Curiosamente, seu fracasso como empreendimento permitiu que ele fosse acessível a todos — e não um condomínio exclusivo fechado. Hoje, Patrimônio Mundial da Unesco, é um dos exemplos mais notáveis da visão arquitetônica de Gaudí, onde estética, engenharia e espiritualidade caminham juntas.
Fonte: Casa e Jardim