Tecnologia & Inovação

Racismo e tecnologia

Os efeitos de um crime real no mundo digital

No dia 7 deste mês o Brasil presenciou mais uma cena deplorável de racismo em um vídeo postado na internet. Nas imagens, um entregador de comida por aplicativo é ofendido repetidamente com palavras e gestos que demonstram, pelo menos, preconceito social e racial.
Deixando a injúria em si para que as autoridades apurem o caso e punam o responsável como manda a lei, podemos abordar o fato por um viés tecnológico e observar seus impactos sobre os aspectos da individualidade e da privacidade de dados.
Em um primeiro momento o que fica mais evidente é a velocidade com a qual o fato se espalha. Por todos termos celulares com acesso à internet e contas em redes sociais, uma foto ou vídeo pode circular pelo mundo todo muito rapidamente. É difícil estimar o número exato de visualizações do vídeo, pois, muitas vezes, as imagens são salvas e repostadas. Para termos uma noção, uma das primeiras postagens do conteúdo no Instagram — feita por um apresentador de TV — possui mais de 1,6 milhão de curtidas e 120 mil comentários. A primeira publicação legendada, feita no Twitter, chega à marca de 14,6 milhões de visualizações. No YouTube, os principais canais que divulgaram as imagens, somados, já passam de quatro milhões de visualizações.
Em situações como esta, além do efeito viral, existe também uma parcela da população que procura, de certa forma, fazer justiça com as próprias mãos. Observando o vídeo de um ponto de vista mais tecnológico, é possível ter acesso ao local de sua gravação. No rastreio dos habitantes do condomínio, conseguir o nome do agressor se torna tarefa fácil para quem sabe onde procurar. A partir do nome e endereço as portas se abrem para “hackers do bem” e pessoas que sabem utilizar a engenharia social, podendo rastrear desde os documentos pessoais do agressor, até postagens feitas na internet anos antes. Foi o que aconteceu.
Em uma postagem de 2017, o ofensor já havia feito críticas em um blog lusófono, onde ressaltava ser descendente de portugueses. A captura da postagem também se espalhou rapidamente pela internet, tornando a discussão em redes sociais cada vez mais acalorada.
Com o compartilhamento destas informações, entregadores de aplicativos se organizaram para realizar um “buzinaço” em frente à casa do autor do crime. Pode parecer um ato simbólico, mas este representa o momento em que há uma disruptura na barreira tecnológica, onde a revolta sai do meio virtual e passa a acontecer no mundo real. A partir deste momento, não fossem as grades do condomínio e a atuação da Polícia Militar o confronto poderia, inclusive, tornar-se físico.
Enquanto todas estas situações ocorriam, o entregador que sofreu as discriminações recebeu a doação de uma moto nova, possui uma vaquinha com cerca de R$ 200 mil arrecadados para seu sustento durante a pandemia, atingiu a marca de dois milhões de inscritos no Instagram, já conta com assessoria de mídias digitais e faz propagandas para marcas no seu perfil, tudo isso em cinco dias.
O mais interessante é observar que todo este comportamento social, de alguma forma, ocorre por conta da tecnologia. Não fosse o vídeo gravado, o fácil acesso à internet e as mídias sociais, com certeza não veríamos este efeito e continuaríamos compactuando com um preconceito estrutural. Não fosse a tecnologia, o rapaz não estaria trabalhando com entregas por aplicativo.
A tecnologia e as mídias sociais existem para o bem ou para o mal. Seja para eternizar um momento triste como o acontecimento do vídeo, ou para que a sociedade tente, pouco a pouco, pedir desculpas em nome de todos pelo terrível episódio que o jovem enfrentou.

Legenda da foto: Motoboy sendo ofendido por homem racista

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