Política

Com derrotas no Congresso, Lula se prepara para “se escorar” no Judiciário

Lula e o ministro Edson Fachin, presidente do STF

Por Wesley Oliveira

Após enfrentar sucessivas derrotas no Congresso Nacional, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a considerar o Supremo Tribunal Federal (STF) como principal rota de escape para tentar reverter perdas na pauta da segurança e em outras áreas sensíveis. Nas últimas semanas, auxiliares do Planalto passaram a admitir a possibilidade de judicializar ao menos três matérias em que o Executivo saiu derrotado: a derrubada de vetos ao projeto de licenciamento ambiental, a aprovação do PL antifacção na Câmara e o avanço de pautas-bomba com forte impacto fiscal.
A primeira frente aberta envolve o projeto de lei complementar que concede aposentadoria especial a agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias. O texto foi aprovado pelo Senado em meio à crise política desencadeada pela indicação de Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal (STF), que irritou o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP). Agora, segue para análise da Câmara dos Deputados.

Segundo o secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, o impacto fiscal pode chegar a R$ 17 bilhões por ano — valor que não cabe no atual arcabouço fiscal, segundo ele. “Esse projeto tem impacto muito grande. Ele é muito ruim do ponto de vista da economia e não deveria ser aprovado sem uma ampla discussão sobre suas consequências”. Durigan foi além e antecipou que, se o projeto for aprovado, o governo deverá vetá-lo e, caso o veto seja derrubado, poderá recorrer ao Judiciário. “Se o veto cair, seremos obrigados a ir ao Supremo para restabelecer as regras fiscais básicas do país”, disse.

Nos bastidores, líderes do governo dizem haver ainda uma brecha para negociar o texto, mas reconhecem que, diante do tensionamento crescente com o Congresso, o caminho da judicialização está cada vez mais provável. Caso recorra ao STF, o governo deve ser atendido, pois, para o especialista em Direito Previdenciário Washington Barbosa, a proposta é “duplamente inconstitucional”.

Ele afirma que o texto impõe despesas a municípios sem indicar fonte de custeio, violando princípios constitucionais. “Não existe despesa sem fonte de custeio. O governo deve se apoiar nesse ponto para contestar a medida”, disse. Ainda assim, Barbosa pondera que o governo deve agir com cautela. “Há elevada popularidade da categoria [beneficiada]. O ambiente político pode influenciar o ritmo e o tom da judicialização”, completa.

Com derrota no licenciamento ambiental, governo fala em “caos jurídico” e mira o STF
A derrubada de 52 dos 63 vetos de Lula ao projeto de licenciamento ambiental abriu outra frente de desgaste. A decisão do Congresso — uma vitória da bancada do agronegócio e de setores empresariais — eliminou pontos considerados essenciais pelo Ministério do Meio Ambiente. A ministra Marina Silva alertou que a medida criará um cenário de insegurança jurídica sem precedentes. “Vai ser uma verdadeira guerra de liminares. Cada estado e cada município fará sua própria lei de licenciamento, flexibilizando para atrair investimentos. É a competição pelo caminho de baixo”, disse a chefe da pasta em entrevista à rádio CBN.

Marina confirmou que o governo também “avalia fortemente” a possibilidade de acionar o STF nesse caso e destacou que a derrubada de vetos pode afetar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, devido ao enfraquecimento das garantias socioambientais. “Com a remoção de proteções legais e o caos jurídico que temos agora, não há base para manter os mesmos resultados nas negociações internacionais”, opinou.

Lula deve se reunir com a ministra e com a Casa Civil para avaliar as estratégias jurídicas. Entidades ambientais e partidos de esquerda já anunciaram que ingressarão no STF para tentar reverter a decisão. Para o especialista em Análise Econômica do Direito André Aidar, a derrubada dos vetos alterou profundamente o ambiente regulatório do agronegócio. “A flexibilização e a descentralização trazem agilidade, mas ampliam a responsabilidade do produtor e a chance de judicialização”, explicou.

Aidar destaca que o autolicenciamento é um “avanço histórico” para atividades de baixo e médio impacto, mas exige governança rigorosa do setor privado. “O produtor ganha velocidade, mas assume o dever de demonstrar conformidade técnica e ambiental. É autonomia com ônus”, afirmou. O especialista alerta, porém, que a ausência de padronização nacional pode gerar conflitos. “A desigualdade de critérios entre estados e municípios cria insegurança jurídica e aumenta a probabilidade de litígios com o MPF, o Ibama e tribunais de contas”, completou.

PL antifacção acirra crise e governo admite contestar texto
A terceira e politicamente mais sensível derrota do governo diz respeito ao PL antifacção. O texto aprovado pela Câmara — relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), ex-secretário de Segurança de São Paulo, na gestão de Tarcísio de Freitas — cria um novo Marco Legal de Combate ao Crime Organizado e endurece penas, contrariando o projeto original enviado pelo governo.

O Planalto esperava que o Senado amenizasse a proposta, mas o relator na Casa, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), já sinalizou que não atenderá às principais demandas do Executivo. As mudanças previstas se limitarão à retirada de trechos considerados inconstitucionais, como:
restrições ao auxílio-reclusão;
alterações no Tribunal do Júri;
supressão do direito ao voto.

O endurecimento das penas e a espinha dorsal do novo marco devem ser mantidos. O Senado deve votar a proposta nesta semana, mas, por conta das mudanças, o texto voltará para nova análise na Câmara dos Deputados. Lula já criticou publicamente a versão aprovada pelos deputados. “Do jeito que está, o projeto enfraquece o combate ao crime e gera insegurança jurídica. Trocar o certo pelo duvidoso só favorece quem quer escapar da lei”, disse.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), respondeu imediatamente. “O governo optou por desinformar a população. Foi um erro ficar contra e, agora, precisa explicar aos brasileiros por que rejeitou o projeto”, disse.
No Ministério da Justiça, já há técnicos analisando quais trechos poderão ser contestados no STF, caso o texto avance. Entre os pontos sob estudo está o esvaziamento do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Funad, alterados pelo texto aprovado na Câmara. A nova estratégia tende a aprofundar o desgaste institucional entre Executivo e Congresso. Parlamentares já acusam o governo de querer “governar via STF”, enquanto o Planalto argumenta que está apenas defendendo a Constituição, regras fiscais e políticas públicas essenciais.

O líder do governo vive dizendo: “nós vamos judicializar”. A única coisa que a esquerda sabe fazer nesta Câmara é judicializar, recorrer ao STF para determinar o futuro das votações”, disse Zé Trovão (PL-SC).

O deputado Carlos Jordy (PL-RJ), vice-líder da Minoria, reforça que o governo amplia a crise institucional ao recorrer ao STF. “O governo declara guerra ao Congresso ao acionar o Supremo. Quem viola a separação de Poderes é o governo Lula, que desrespeita as decisões legislativas”, destacou.

Judicialização da política contradiz discurso de Lula
O recurso ao Judiciário contrasta com o discurso público de Lula desde o início do terceiro mandato. Em reuniões com governadores e parlamentares, o petista pediu que disputas políticas não fossem levadas ao STF. “Nós temos culpa de tanta judicialização. Perdemos algo no Congresso e recorremos a outra instância. Não é assim que o jogo democrático funciona”, disse.

Em maio deste ano, durante a Marcha dos Prefeitos, Lula reforçou: “as disputas federativas precisam ser resolvidas na mesa de negociação, não no Judiciário”, disse. A fala, no entanto, colide com o atual cenário político. Com uma base fragmentada, derrotas sucessivas e o avanço de pautas impulsionadas por oposição e Centrão, o Planalto passou a ver o Supremo Tribunal Federal como única instância viável para recuperar terreno.

O deputado Gilberto Silva (PL-PB) resgatou falas do próprio Lula sobre a importância do STF nas decisões do Executivo. “O próprio Lula disse: “se eu não recorrer ao Supremo, eu não governo”. Isso é ditadura!”, disse.

Mas, em julho, Lula justificou o recurso ao Judiciário após o Congresso derrubar aumento do IOF ao afirmar que havia descumprimento de acordo político. “Se eu não entrar com recurso no Judiciário, eu não governo mais o país. Cada macaco no seu galho: ele legisla, e eu governo”, disse o petista à época.

Para Gilberto Silva, as declarações são evidências de uma estratégia coordenada. Segundo ele, há “uma parceria clara do Executivo com a Suprema Corte. Perderam aqui de lapada, maior que o quórum de impeachment, e daí judicializam a política”, criticou.

Fonte: Gazeta do Povo

Luzimara Fernandes

Luzimara Fernandes

Jornalista MTB 2358-ES

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