Meio ambiente

Formiga descoberta em Manaus ganha nome em homenagem à Elza Soares

Espécie é uma das mais de 530 formigas endêmicas do Brasil; pesquisador explica detalhes e desafios do estudo taxonômico desses pequenos seres vivos

Por Giulia Bucheroni

No mundo são conhecidas 14.084 espécies de formigas, dessas, cerca de 1.500 ocorrem no Brasil e mais de 500 ocorrem exclusivamente no País, número que aumentou em setembro, depois da descoberta de uma nova espécie única de Manaus: Leptogenys elzasoares. O nome parece familiar?

Nós taxonomistas temos liberdade na escolha dos nomes científicos de uma nova espécie. Muitos usam como referência características físicas, outros a distribuição geográfica, e têm aqueles que homenageiam pessoas importantes. Para mim Elza Soares é uma das maiores artistas brasileiras e uma das maiores vozes do Brasil não só na música, mas em questões sociais e direito das mulheres. Por isso, pensei que homenagear uma pessoa que lutou tanto por um Brasil mais justo e mais feliz seria uma atitude bonita”, conta o biólogo especialista em insetos Leonardo Tozetto, um dos autores da mais recente publicação que não só descreve a nova espécie, como também divulga descobertas importantes sobre formigas brasileiras já conhecidas pela ciência.

“É um estudo abrangente da taxonomia do gênero de formigas Leptogenys com foco no subgrupo unistimulosa, com apenas nove espécies descritas. Além da descrição da nova espécie, nós descrevemos três machos para espécies que já eram conhecidas antes, com estudos realizados apenas com as formigas operárias”, diz. “A taxonomia é o ramo da biologia responsável por descrever, identificar e nomear os seres vivos de acordo com os critérios estabelecidos, como aspectos morfológicos, genéticos, fisiológicos e reprodutivos”.

A descoberta e descrição da espécie Leptogenys elzasoares foi feita por um grupo de cientistas do Brasil (UFV e UFPR) e da Alemanha (Friedrich-Schiller-Universität Jena) e publicada na Revista Brasileira de Entomologia.

O estudo taxonômico das formigas
De acordo com Leonardo, grande parte dos estudos é realizada a partir da coleta e análise de formigas operárias (fêmeas que não reproduzem). “O fato de assumirem todas as funções de manter a colônia, construir e proteger o ninho, além de buscar alimento, tornam as operárias formigas mais fácies de encontrarmos em campo, por isso grande parte das descrições são baseadas nos estudos com esses indivíduos. Já os machos são mais raros, porque geralmente aparecem em um único período do ano (reprodutivo) e têm a função apenas de reproduzir, copular com uma nova rainha através do voo nupcial”, detalha.

Nesse estudo tivemos a oportunidade de coletar, em um único ninho, operárias e o macho da espécie. Apesar de não serem formigas raras, é difícil encontrar os ninhos, principalmente com os machos juntos”, conta Leonardo, que auxiliou na identificação das espécies capturadas em campo, entre elas a nova formiga descrita para o grupo. “Leptogenys é um grupo de formigas dividido em vários grupos baseados nas características físicas das espécies. Essas formigas coletadas tinham características desse grupo, mas não pareciam com nenhuma espécie conhecida anteriormente, o que nos motivou a estudar, coletar dados e analisar exemplares depositados em museu”, completa.

Leptogenys elzasoares

A descoberta e descrição da espécie foi feita por um grupo de cientistas do Brasil (Foto: Divulgação)

Os indivíduos que serviram de base para a descrição foram coletados em 2016 durante um acampamento em Manaus — apesar da descoberta ter sido oficializada somente neste ano, o mesmo em que Elza Soares faleceu, aos 91 anos. A nova espécie apresenta corpo bicolor: cabeça e tórax pretos e opacos e abdômen em tons ferrugem brilhante, quase amarelo.

Assim como outras formigas, utiliza o ferrão para injetar uma toxina (ácido fórmico), utilizada pelas espécies para caçar e se defender, principalmente”, conta Leonardo, que destaca a curiosa dieta das formigas ‘parentes’ de Leptogenys elzasoares. “O grupo segue uma alimentação seletiva, restrita à caça de tatu-bolinha. Elas usam o ferrão para paralisar o crustáceo e levam a presa para o ninho, para alimentar as larvas. Como têm hábitos noturnos, caçam nesse período”, diz.

Quebra-cabeças taxonômico
Entre as conquistas dessa publicação Leonardo destaca o desenvolvimento de uma ‘chave’ para identificação dos machos do gênero Leptogenys. “Uma chave taxonômica é uma sequência de passos que usamos para desvendar a identidade daquela espécie. Avaliamos diversas características do animal que vão nos levando à resposta sobre o nome. Desenvolver essa chave para o gênero é extremamente importante porque se não soubermos de quais formigas se tratam, impossibilitamos diversas pesquisas e possíveis descobertas para a ciência”, diz.

Trabalho ”de formiguinha”
Trocadilhos à parte, as pesquisas taxonômicas de espécies como formigas são essenciais para que pesquisadores de diversas outras áreas, como saúde e preservação do meio ambiente, por exemplo, possam desenvolver pesquisas e descobertas importantes para a manutenção da vida no planeta. Afinal, não é possível desenvolver nada sem antes saber a existência de determinada espécie.

“O estudo taxonômico não gera um produto ou uma solução imediata para um problema na sociedade. Ele faz parte da ciência de base: a descrição das espécies é o primeiro passo na construção de conhecimento. É necessário identificá-las e levantar dados sobre elas, onde ocorrem, do que se alimentam e como se comportam, para, então, desenvolver pesquisas inovadoras, ou mesmo estudar o impacto daquele ser vivo na saúde pública”, detalha Leonardo, que atualmente pesquisa as articulações de determinadas formigas, estruturas que podem ser base para o desenvolvimento de próteses mecânicas.

A pesquisa taxonômica é muito desafiadora, pois são muitas espécies e o processo requer a análise de vários exemplares. Daí entra importância dos museus, que são verdadeiras bibliotecas da biodiversidade do passado e do presente. Geralmente os estudos taxonômicos envolvem diversas instituições, é um trabalho de muitas mãos, desafiado principalmente pela falta de financiamento”, completa.

Fonte: G1

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