Cultura

Veja como o amor foi usado para espionagem durante a história — e por que o governo americano teme relações amorosas com cidadãos chineses

Do Antigo Testamento à Guerra Fria, das dançarinas de Paris aos salões diplomáticos de Pequim, a história revela que a intimidade é, frequentemente, o campo mais vulnerável da segurança nacional

Por Matheus de Andrade

Poucos dias antes de deixar seu posto como embaixador dos Estados Unidos na China, Nicholas Burns adotou uma medida que pode quebrar alguns corações. A nova diretriz, de caráter confidencial, proíbe funcionários do governo norte-americano — inclusive familiares e contratados com acesso a informações sigilosas — de manter qualquer tipo de relacionamento amoroso ou sexual com cidadãos chineses.
A chamada política de “não fraternização” foi implementada em janeiro, pouco antes da posse de Donald Trump em seu novo mandato presidencial. A decisão, ainda não anunciada publicamente, reflete o clima de desconfiança crescente entre as duas maiores potências do planeta.

Mais do que uma simples medida de segurança, essa proibição toca em um tema recorrente da história da humanidade: o uso da intimidade como arma política. Seduzir, manipular e explorar emocionalmente o inimigo tem sido uma das táticas mais eficazes — e mais perigosas — da espionagem ao longo dos séculos.

A primeira espiã registrada
Por volta do ano 1.000 a.C., um homem conhecido por sua força física quase sobrenatural caiu diante de um inimigo silencioso: o afeto manipulado. Seu nome era Sansão, juiz e guerreiro do antigo Israel. Ele liderava o povo contra os filisteus, um dos povos mais poderosos e cruéis da região. Sua força vinha de um voto de consagração a Deus, simbolizado por seus longos cabelos. Foi então que surgiu Dalila. Segundo os registros históricos preservados no Antigo Testamento, Dalila foi aliciada pelos chefes filisteus para descobrir o segredo da força de Sansão. Ela não o enfrentou em combate. Não usou espadas nem exércitos. Usou a sedução.

Durante dias, insistiu em saber qual era a origem do poder de Sansão. Quando finalmente obteve a resposta — que ele jamais havia cortado o cabelo — aproveitou-se de sua confiança. Enquanto ele dormia, os filisteus rasparam seus cabelos. Agora fraco, prenderam-no, furaram seus olhos e o transformaram em prisioneiro.

O episódio é um dos primeiros registros documentados de como uma relação íntima, explorada de forma estratégica, pode derrubar até mesmo os mais fortes. Não por força, mas por manipulação emocional. Mais de três mil anos depois, a tática continua viva — adaptada à geopolítica moderna.

Mata Hari: o símbolo eterno da espiã sedutora
Na modernidade, a figura da mulher que conquista, espiona e trai em nome da pátria encontrou seu arquétipo no século XX com a história de Mata Hari. Nascida Margaretha Zelle, ela se reinventou em Paris como dançarina exótica. Alta, carismática e com domínio de danças orientais, tornou-se um sucesso nas cortes europeias. Cercou-se de políticos, oficiais e empresários. E, em meio à Primeira Guerra Mundial, aceitou dinheiro da Alemanha para obter informações secretas.

Sua carreira na espionagem, contudo, permanece controversa. Documentos divulgados pela França em 2017 indicam que as informações repassadas por Mata Hari eram defasadas ou irrelevantes. Segundo a Enciclopédia Britannica, ela também atuou como informante da França, sem revelar seu vínculo anterior com os alemães. Em 1917, foi executada pelos franceses por fuzilamento, acusada de ser agente dupla e responsável pela morte de milhares de soldados. Acusações, hoje, sem provas sólidas.

Romeos: a sedução invertida na Guerra Fria
Se na Primeira Guerra o Ocidente via perigo na figura da mulher sedutora, na Guerra Fria foi o charme masculino que ganhou protagonismo. Sob comando de Markus Wolf, chefe da inteligência da Alemanha Oriental, surgiram os chamados Romeo Spies (Espiões Romeus). Jovens entre 25 e 35 anos, bem-educados, de aparência agradável e comportamento refinado, eram enviados para seduzir mulheres com cargos estratégicos na Alemanha Ocidental.

Funcionárias do governo, do parlamento, das forças armadas e até da diplomacia se tornaram alvos. Muitas acabaram, com o tempo, repassando segredos aos seus “namorados”. Relatórios da CIA contam histórias marcantes. Uma tradutora da embaixada americana entregou milhares de documentos por amor. Outra, apaixonada, descobriu anos depois que seu casamento havia sido uma farsa.
Havia também as que, longe de amar os Romeos, se encantavam com o mundo clandestino da espionagem. A eficácia dos Romeos era tamanha que, em certos períodos, a inteligência oriental obtinha mais dados por meio deles do que com seus agentes tradicionais.

De volta ao presente: EUA, China e a nova medida
A recente política americana sobre a China parte exatamente dessa premissa. Segundo a agência de notícias Associated Press, membros do Congresso pressionaram pela medida após relatos de tentativas sistemáticas do serviço de inteligência chinês (MSS) de usar armadilhas sexuais para acessar segredos diplomáticos.

Funcionários norte-americanos são treinados para reconhecer os chamados “honeypots” ou “potes de mel” — homens ou mulheres que, a serviço do governo chinês, tentam seduzi-los para obter dados sensíveis. A nova diretriz não só proíbe qualquer envolvimento com cidadãos chineses, como prevê expulsão imediata em caso de descumprimento. Relações anteriores podem ser analisadas, mas, na prática, o objetivo é eliminar qualquer ponto cego emocional no ambiente de espionagem.

Embora a China não tenha comentado oficialmente, sabe-se que o país também adota regras rígidas. Diplomatas chineses, por exemplo, são proibidos de manter relacionamentos com estrangeiros e não podem passar longos períodos fora do território nacional sem autorização expressa.

Entre sentimentos e segredos
Do Antigo Testamento à Guerra Fria, das dançarinas de Paris aos salões diplomáticos de Pequim, a história revela que a intimidade é, frequentemente, o campo mais vulnerável da segurança nacional. Quando alianças se formam entre corações e não apenas entre nações, as linhas entre lealdade e traição se confundem. A Bíblia alertava para isso em contextos muito específicos, mas o princípio permanece válido: alianças sentimentais com forças moralmente hostis carregam riscos invisíveis e devastadores.

A medida adotada pelos Estados Unidos pode parecer extrema. Mas ela reconhece, com base em séculos de história, que na guerra dos segredos, o amor — ou sua ilusão — pode ser o mais poderoso dos instrumentos.

Os fins nem sempre justificam os meios que escolhemos empregar, mas, enquanto houver espionagem, haverá Romeus seduzindo Julietas desavisadas com acesso a segredos. Afinal de contas, eu estava dirigindo um serviço de inteligência, não um clube de corações solitários”, escreveu Markus Wolf, o lendário espião da Alemanha Oriental, em sua autobiografia.

Fonte: Epoch Times Brasil

Luzimara Fernandes

Luzimara Fernandes

Jornalista MTB 2358-ES

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