Infantilizar idoso traz impactos físicos, sociais e psicológicos

Imagine-se em um encontro com o maestro João Carlos Martins e perguntando se ele vai tocar seu “pianinho” esta noite. Faz sentido? Que tal sugerir ao ex-atleta Edson Arantes do Nascimento, sim, ele mesmo, o Pelé, a brincar de “bolinha” com ele. Parece normal?
Falaria para a cantora Elza Soares que é hora dela ir para a “caminha”? E que tal ignorar a presença de algum ganhador do Prêmio Nobel — majoritariamente composto por idosos — e fazer perguntas sobre eles a qualquer pessoa que esteja no mesmo ambiente. Combina?
Parece exagero e até piada mas, infelizmente, é o que familiares e até profissionais de saúde fazem com certa frequência ao tratar idosos como crianças, desconsiderando escolhas e opiniões, retirando a autonomia e os excluindo de conversas e discussões importantes. Esses são apenas alguns dos principais pontos que envolvem o que se entende como a infantilização do idoso. O termo está diretamente relacionado ao “ageismo”, ou “idadismo”, identificado pelo gerontólogo Robert Butler (EUA), vencedor do Prêmio Pulitzer em 1976 pelo livro Why Survive: Being Old In America (Por que sobreviver: ser idoso nos EUA, em tradução livre), e que se configura pelo preconceito contra idosos.
É como se a maturidade e as respectivas capacidades cognitivas de um idoso fossem incompatíveis com as da vida adulta. Como se um idoso tivesse o mesmo nível de compreensão de uma criança da primeira infância. A infantilização do idoso é um mal que pode fazer com que os idosos se sintam diminuídos e tenham sua autoestima severamente afetada. “Na medida em que minimizamos sua autoconfiança e sua autoestima, o idoso é levado a ter um olhar sobre si mesmo como alguém frágil e incapaz”, explica Eloah Mestieri, psicanalista com experiência em bem-estar na terceira idade.
Pela ótica da psicanálise, a infantilização é uma fonte de violência que gera traumas e conflitos perigosos, que, destruindo a autoconfiança, apressa o declínio geral do idoso. “A infantilização coloca uma barreira entre o idoso e o mundo, como se este estivesse regredindo de importância enquanto sujeito. Isso traz consequências drásticas na saúde física também”.
Exemplos de infantilização do idoso: expressões no diminutivo (comidinha, roupinha, caminha); falar apenas com o acompanhante ou como se o idoso não estivesse presente; não inserir os idosos em programas como shows, teatros, festas e viagens em família; não comentar e conversar sobre temas da atualidade; desconsiderar a opinião da pessoa e o histórico dela em decisões como fazer festa de aniversário, usar determinados tipos de roupa e fazer atividades como uma dança, por exemplo.
Valmari Cristina Aranha, psicóloga com especialidade em gerontologia e secretária-adjunta da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), enfatiza que é perfeitamente possível ser afetuoso, empático em relação ao idoso sem descaracterizar a identidade e a personalidade da pessoa. “É preciso dissociar a ideia de que, para ser empático, você precisa ser engraçado e fofo com o idoso. Na verdade você precisa ser coerente e falar com uma linguagem que ele entenda, e isso tem relação com a capacidade cognitiva, da escolaridade, déficit auditivo ou visual e, não, simplesmente pela idade”.
A experiência com o assunto deve trazer alguns questionamentos, explica Denise Diniz, coordenadora do Setor de Gerenciamento de Estresse e Qualidade de Vida da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Quando se infantiliza o idoso, se está promovendo a autonomia ou a dependência dele? Muitas vezes a intenção de proteger o idoso pode ser um excesso de cuidado que tira a sua independência. A perda da autonomia afeta a autoestima, a autoconfiança e prejudica o desenvolvimento da pessoa”.
O esforço de adaptação por parte do idoso em relação às mudanças na rotina e das próprias limitações cognitivas e motoras envolve aspectos físicos, psíquicos e sociais e podem ser um gatilho para a depressão.
É importante ressaltar que as pessoas reagem de forma diferente e não se deve creditar unicamente essas questões à depressão. Porém, o sentimento de impotência em poder gerir a própria vida e o bombardeio à autoconfiança e à dignidade, pela autodesvalorização que o tratamento infantilizado veladamente promove, representa um poderoso indicador que vai minando o humor e a vontade de viver da pessoa.
Essa forma de tratamento não contribui para o bem-estar do idoso, para a sua dignidade e para a sua saúde física e mental. Desencadeia estados de tristeza e melancolia que podem se encaminhar para sintomas de depressão, apressar a perda cognitiva, a senilidade e todas as doenças físicas e mentais.
O resultado disso é uma maior predisposição para a debilidade senil e o Alzheimer, além de uma baixa no sistema imunológico como um todo, propiciando o surgimento de várias patologias. “Certamente um idoso frustrado, humilhado, que se sente destituído de sua capacidade como sujeito tende a ficar mais introspectivo, isolado, mais triste e, isso sim, pode agravar quadros depressivos pré-existentes ou até o surgimento de um sentimento novo de depressão”, explica a psicóloga Valmari Aranha.
Fonte: UOL