‘Setembro Amarelo’: Racismo e exclusão social explicam alto índice de suicídio entre negros no País
Jovens negros têm maior chance de cometer suicídio no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde de 2019
Jovem negro, entre 10 e 29 anos de idade. Esse é o perfil das pessoas que mais cometem suicídio no Brasil nos últimos quatro anos. Os dados são de uma pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde em 2019 mas, neste ‘Setembro Amarelo’, vamos abordar os fatores que contribuem para o triste cenário e porque não existem políticas públicas específicas de prevenção.
A psicóloga Laura Augusta Barbosa de Almeida afirma que o racismo estrutural perpetua inúmeras situações de violência e que tais condições poderiam ser consideradas como um ‘gatilho emocional’ diante de tanto sofrimento.
“Os números apresentam os índices de jovens negros que são assassinados pela violência policial, pelas negligências institucionais na saúde, na assistência, e estes são fatos que assombram o imaginário das pessoas negras no Brasil, destruindo esperanças, sonhos e possibilidades, adoecendo e fazendo morrer, das mais diversas formas”, avalia a especialista, que é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares em Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia.
De acordo com o psiquiatra Rodrigo de Almeida Ramos, diversos estudos associam o suicídio a transtornos mentais, que podem ter caráter biológico ou serem provocados por questões ambientais. “Os índices apontam que em mais de 90% dos pacientes que se suicidaram havia uma doença mental relacionada. Na grande maioria dos casos, o diagnóstico associado era de depressão”, ressalta.
O médico enfatiza que o alto índice de suicídio entre homens negros não é novidade, apesar de o tema ser pouco explorado. “Na década anterior, por exemplo, enquanto o suicídio de pessoas brancas crescia a índices por volta de 10%, o de negros superava a casa dos 50% e isso majoritariamente se deve à exclusão social. Veja, são fatores de risco para o suicídio situações como desemprego, sensações de vergonha, desonra, desilusões amorosas, além de antecedentes de doenças mentais. Historicamente, os negros vivem uma situação de marginalização que dificulta demais sua inserção na sociedade de forma mais produtiva, acadêmica e ainda de consumo. O que vem sendo chamado de racismo estrutural. Estudos têm apontado que em uma situação de competição por vagas entre candidatos com o mesmo currículo ou o mesmo histórico profissional, a probabilidade de o candidato branco ser aprovado é maior do que um candidato negro. Segundo dados do IBGE de 2017, pardos e pretos recebem 55,6 e 54,9% do rendimento dos brancos e é a maior parte da população que está desempregada, sendo 52,7% de pardos e 11% de pretos. Se levarmos em consideração que os negros correspondam a 54% da população brasileira, esses números só reforçam a condição de desvalorização e vulnerabilidade em que vivem os pretos”, diz.
Na opinião da psicóloga Laura Augusta Barbosa de Almeida, o homem negro tem mais dificuldade em acessar suas próprias emoções diante da opressão social. “E acredito que as masculinidades negras construídas nessa sociedade não autorizam os homens negros ao direito a humanidade, dignidade, condicionando suas narrativas de vidas aos estereótipos de animalização desse corpo, colocando esse homem na etiqueta do crime ou da hipersexualidade. A forma como os homens negros são socializados impede que muitas vezes eles construam vínculos importantes como rede de apoio e que eles falem sobre o que sentem, reproduzindo mais uma vez a lógica escravista de mão-de-obra, o corpo que serve ao trabalho, a reprodução, a produção e poucas vezes considerados como pessoas, dignas de afeto e com necessidades de cunho relacional”, analisa.
Se é difícil para um homem branco expressar emoções, pois pode ser interpretado como sinal de ‘fraqueza’, para o negro essa parece ser uma realidade muito mais distante e desafiadora.
O álcool e outras drogas acabam servindo como uma ‘válvula de escape’ para que alguns indivíduos extrapolem suas emoções e evitem contato com elas. O psiquiatra Rodrigo de Almeida Ramos lembra que isso não é diferente entre homens negros. “Os negros, pela condição de exclusão social, estão mais suscetíveis ao abuso de álcool e drogas, doença psiquiátrica muito ligada com depressão. Além disso, brancos têm muito mais acesso ao tratamento deste problema do que a população preta e parda. Segundo o IBGE, enquanto 44% dos brancos dependentes de álcool ou 42% dos brancos usuários de outras drogas tiveram acesso ao tratamento, apenas 26% e 22% respectivamente tiveram a mesma sorte”, acrescenta.
O uso de entorpecentes é um dos grandes fatores desencadeantes para transtornos mentais e, diante dos números, a população negra está mais vulnerável a situações de ausência de suporte social, fatores de risco essencial para a morte por suicídio.
Fonte: Terra