Comportamento & Equilíbrio

Ciúme demais indica necessidade de tratamento psicológico

Todo mundo experimenta, em menor ou maior grau, algum tipo de ciúme ao longo da vida. É fácil, por exemplo, perceber como as crianças o demonstram em relação aos pais ou aos amiguinhos. Trata-se de uma emoção que qualquer pessoa pode sentir quando percebe a ameaça de perder algo que lhe é muito valioso.
“O ciúme tem a ver com processos vinculativos. O medo de ser abandonado ou trocado faz parte da natureza humana e é algo normal. A intensidade do ciúme, porém, depende de fatores como personalidade, mecanismos biológicos, autoconfiança e vivências”, comenta Henrique Bottura, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista, em São Paulo (SP), e colaborador do ambulatório de impulsividade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HCFMUSP).
São essas condições, também, que podem tornar o ciúme disfuncional. Segundo o psiquiatra Eduardo Perin, pesquisador do Centro de Assistência, Ensino e Pesquisa em Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo da Universidade Federal de São Paulo (CenTOC-Unifesp), o ciúme ultrapassa os limites de uma emoção normal e, em certo ponto, saudável, quando começa a interferir na capacidade de concentração e disposição da pessoa, afetando não só a relação afetiva como o trabalho, os estudos e a vida social. “Quadros patológicos tendem a índices elevados de depressão e ansiedade e até suicídio”, alerta ele, que também atua como terapeuta sexual pelo Instituto Paulista de Sexualidade (Inpasex).
Segundo Hélio Malka Y Negri, psicólogo clínico da plataforma on-line Vittude no Nordeste, quando há o entendimento da exclusividade em uma relação, é normal que se sinta ciúmes em situações que pareçam ameaçadoras a essa exclusividade. “Porém, o relacionamento se torna tóxico quando prejudica não apenas o envolvimento, mas também o outro, seja por uma tentativa obsessiva de controle, pela crença superestimada sobre a infidelidade do parceiro ou por pensamentos paranoicos e sem fundamentos, podendo chegar ao descontrole agressivo. É uma situação que causa extremo sofrimento aos envolvidos e é capaz de destruir as relações”, explica.

Ciumentos patológicos precisam procurar auxílio o quanto antes, pois ficam em permanente estado de tensão e preocupação (Foto: Getty Images)

Ainda conforme Negri, se o ciúme for realmente patológico, ou seja, com o comprometimento severo da capacidade do indivíduo de dialogar interna e externamente, não é facilmente resolvido com diálogos nem com mudanças de comportamento. “As circunstâncias tendem a se agravar com o tempo, caso o problema não seja tratado com seriedade, preferencialmente com a ajuda de um psicólogo, que ajudará a pessoa a entender seus anseios e crenças”, diz.

Percepção, autoconhecimento e busca por ajuda
De acordo com Marina Vasconcellos, psicóloga e terapeuta familiar e de casal pela Unifesp, os ciumentos patológicos precisam procurar auxílio o quanto antes, pois “não têm paz”. “São pessoas em permanente estado de tensão e preocupação, que criam ou procuram situações que alimentam a emoção nociva. Não dormem direito, porque o cérebro ‘não para’, e levam uma vida regada a conflitos”, aponta.
Vasconcellos trabalha como psicóloga voluntária do ambulatório de impulsividade do IPq-HCFMUSP e relata que o primeiro passo para tratar o quadro é ajudar o paciente no controle dos sintomas, como os pensamentos obsessivos. “Os medicamentos antidepressivos auxiliam na estabilização do humor e da ansiedade e formam um complemento à terapia”, conta.
Já Lilian Fiorelli, ginecologista especialista em sexualidade feminina e uroginecologia pela USP, avisa que em muitos casos a pessoa não se dá conta da gravidade da própria situação. “São os amigos ou familiares que pontuam o comportamento disfuncional e sugerem a busca por ajuda especializada. É importante aceitar esse feedback, pois o ciúme patológico impede a visão clara e objetiva dos sentimentos e dos fatos”, afirma.
É fundamental que o indivíduo pratique o autoconhecimento para tentar conhecer, analisar e gerenciar suas emoções. “A psicoterapia é uma ferramenta poderosíssima nesse sentido, mas existem formas alternativas, como meditação, arteterapia, musicoterapia, hipnoterapia ou qualquer outra técnica que permita à pessoa se conectar consigo mesma para catalisar seus sentimentos e harmonizar o seu estado de saúde”, indica Negri.

Em muitos casos a pessoa não se dá conta da gravidade da própria situação (Foto: iStock)

Para Viviane Tavares Pessoa, psicóloga da plataforma on-line Telavita, que atua em Feira de Santana (BA), é válido entender que esse tipo de ciúme tóxico não aparece do nada. “O ciúme é uma característica humana, porém, pessoas com desequilíbrio emocional, desordem do desenvolvimento psicossexual e um conjunto de processos experienciados na vida pela pessoa ciumenta, pode chegar ao ponto de estar em um ciclo doentio e de relacionamento abusivo”, fala.

E o que o par de um ciumento patológico pode e não pode fazer?
Não fazer nada não vai ajudar, ou seja, ignorar o sofrimento do outro não é uma boa opção. Ao mesmo tempo, é sempre muito difícil ajudar quem não reconhece a necessidade e não aceita ajuda. “Assim, o primeiro passo é tentar fazer o outro aceitar que precisa de ajuda. Uma boa estratégia é propor a terapia de casal, pois será mais fácil para um psicólogo demonstrar para o paciente ciumento patológico que a relação corre mais risco por conta de suas próprias ações do que de possíveis atitudes do parceiro”, diz Negri.
Ele salienta que o profissional também pode identificar que muitas vezes o ciúme pode ter motivos reais e não só emocionais. “Isso significa que pode realmente existir traição, indiferença e omissões da outra parte. As relações humanas são complexas e nem sempre há apenas uma verdade. É sempre bom olhar com honestidade, carinho e empatia a dor de quem nos relacionamos”.

Fonte: UOL

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