Política

“Superapp” da primeira infância pode reduzir custos, mas levanta alerta sobre vigilância estatal

Governo Lula quer criar um “superapp” para unificar informações de crianças de zero a seis anos e criar políticas públicas para a primeira infância

Por Marlice Pinto Vilela

Um superaplicativo está entre as principais demandas de um comitê intersetorial para a primeira infância do governo Lula. A ideia, discutida pela primeira vez no último dia 11, visa reunir informações importantes de crianças de zero a seis anos, como histórico de vacinação e dados escolares. O projeto tem o potencial de reduzir custos e otimizar políticas públicas voltadas para essa faixa etária, mas também desperta preocupações quanto ao uso inadequado dos dados de um público vulnerável.
O Comitê Intersetorial da Política Nacional Integrada para a Primeira Infância iniciou suas atividades em outubro, mas o decreto que o instituiu foi assinado por Lula em junho. No que diz respeito ao aplicativo, o documento prevê a organização e unificação “das informações necessárias aos cuidados com as crianças na faixa etária da primeira infância” para promover a “comunicação entre famílias e gestores”.

Sempre que há consolidação de dados de maneira virtual, haverá riscos envolvidos, incluindo desvios de finalidade”, alerta Rodolfo Canônico, diretor-executivo do Family Talks, organização sem fins lucrativos que atua na pauta da primeira infância. “Uma coisa é usar as informações para tomada de decisões gerenciais e focalizar ações e políticas públicas. Outra é utilizar esses dados para monitoramento das pessoas”, acrescenta.

“População precisa saber como os dados serão usados”, afirma especialista em proteção de dados

O decreto que estabelece a proposta para unificação das informações menciona a Caderneta da Criança, documento entregue aos pais no nascimento do bebê. O livreto possibilita que os profissionais de saúde registrem informações importantes relacionados ao pré-natal, às primeiras consultas e à aplicação de vacinas previstas no Plano Nacional de Imunização (PNI).

A edição mais recente, lançada em meio deste ano, inclui novos campos para o registro de informações de assistência social, como o recebimento do Bolsa Família ou a participação no Programa Criança Feliz, e sobre o desenvolvimento escolar dos menores.

Os dados contidos na caderneta estão alinhados aos eixos prioritários do comitê, estabelecidos pelo decreto. Além do “fortalecer o fluxo de informações entre família e o Estado”, o comitê quer garantir o acesso das crianças e famílias a serviços de assistência social, promover cuidados integrais à saúde infantil, dar acesso a uma educação infantil de qualidade e combater o abuso e a violência.
Para a advogada Cândida Diana Terra, especialista em proteção de dados, é essencial que a população tenha clareza sobre o uso restrito dos dados para a finalidade específica desta política pública.

A população ainda está muito mal-informada sobre a proteção de dados, penso que políticas públicas como essa e outras devem ser divulgadas à população incluindo de forma bem clara a forma como os dados serão tratados”, ressalta.

A especialista também destaca a necessidade de atenção especial ao público-alvo dessas ações, o que deve gerar mais atenção por parte do governo federal.

Crianças e adolescentes são considerados um grupo vulnerável pela lei brasileira e, por isso, a Lei Geral de Proteção de Dados determina que qualquer tratamento de dados desses titulares deve ocorrer sempre em seu melhor interesse”, acrescenta.

O comitê conta com a presença de 15 pastas do governo federal, além de representantes da sociedade civil como o Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e do Adolescente (Conanda). Os ministérios dos Direitos Humanos, Saúde, da Educação, Assistência Social e Casa Civil coordenarão os eixos prioritários.

Unificação de dados é primeiro passo para pensar em políticas públicas
Para Canônico, o aplicativo proposto pode gerar soluções mais focadas e, consequentemente, reduzir custos para os cofres públicos. “O aplicativo pode, sim, ser um apoio na tomada de decisão, na identificação de problemas e na construção de soluções para a primeira infância. Quanto mais preciso é o diagnóstico, melhores tendem a ser as propostas para solucionar os problemas”, afirma.

O diretor-executivo, no entanto, esclarece que o levantamento seria apenas o ponto de partida para o trabalho que o governo deve realizar. Canônico faz uma analogia ao campo da saúde. Segundo ele, é como se o médico realizasse uma série de exames em um paciente, mas não chegasse a um diagnóstico final nem oferecesse um tratamento adequado.

Ele reforça que a iniciativa, por si só, não é suficiente para resolver os problemas. “Com certeza, ela pode ser útil ao gerar informações, mas se essas informações não forem usadas para construir soluções, políticas públicas, resolver os problemas da população, não vai servir para muita coisa. Essa é apenas a primeira etapa”, destaca.

A Política Nacional Integrada para a Primeira Infância, que será elaborada pelo comitê, tem o prazo de três meses a partir da instituição do comitê, conforme estabelecido pelo decreto. A proposta deve ser entregue em meados de janeiro de 2025.

Fonte: Gazeta do Povo

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