Netflix em tempos de pandemia
Os próximos desafios da maior empresa de streaming do mundo
Texto: *Luiz Fernando Padilha
Depois de adquirir mais de 16 milhões de novos inscritos globalmente nos três primeiros meses do ano, a Netflix passa, agora, por outro teste: manter a audiência em um mundo onde, aos poucos, as atividades começam a retornar ao normal.
Parece um contrassenso, mas o impacto das novas assinaturas não veio em boa hora para a empresa. Apesar de aumentar sua base de inscritos em mais de 10% apenas no primeiro trimestre de 2020, seus mais de 165 milhões de usuários cativados até o fim de 2019 continuam demandando por novos conteúdos.
Durante o lockdown, medida restritiva adotada em diversos países, milhões de pessoas consumiram suas séries e filmes favoritos, enquanto milhares de atores, produtores, e todo o restante da cadeia de cinema e TV pararam indefinidamente. Ainda sem data para as gravações retornarem, a aposta da gigante de streaming é finalizar conteúdos já filmados e lançar séries e filmes gravados há anos, como é o caso da sequência “Curta Essa com Zac Efron”, filmada em meados de 2018 e lançada apenas no mês passado.
Ademais, o modelo de negócio da empresa aposta em altas taxas pagas às gigantes do cinema para prover filmes e séries de seus catálogos a todos os usuários o tempo todo, sem limite de exibição. Para os títulos com grandes atores e enorme sucesso de público, os valores podem chegar a casa de milhões de dólares por ano, por filme. Este molde concorre diretamente com o modelo sob demanda, onde o espectador paga apenas pelo conteúdo que deseja assistir, em uma espécie de locadora on-line. Neste modelo, o único custo das empresas provedoras é o de manter a plataforma. Cada filme comprado ou alugado tem parte do seu valor repassado à produtora, sua contraparte fica com a mantenedora da plataforma.
Estes modelos vêm se mostrando obsoletos há muito tempo. Na tentativa de se reinventar, a Netflix passou a investir na produção de conteúdos originais, mas a aposta em fabricações próprias não tem rendido muitos frutos. Apesar das 24 nominações ao Oscar em 2020, a empresa levou apenas duas estatuetas para casa, uma conversão considerada baixa para o mundo do cinema. Com as produções paradas, a empresa terá que, novamente, direcionar boa parte do seu fluxo de caixa para bancar filmes e séries que já estão no mercado.
O próprio confinamento gerou outra barreira: os provedores de internet corriam o risco de não conseguir prover toda a banda necessária para os milhões de enclausurados pelo mundo. A solução veio da própria Netflix, que reduziu a qualidade da transmissão de seus conteúdos em diversos países. A taxa de bits, que define o quão granulada a imagem aparece na tela, foi reduzida em até 70% em alguns países, incluindo o Brasil. A mudança pode parecer imperceptível para a maioria dos assinantes, mas, quanto maior o tamanho da tela e sua resolução, mais bits ela demanda para mostrar uma imagem limpa, sem granulados e ruídos. Tal limitação fez com que muitos usuários reclamassem nas redes sociais da empresa, afinal, o preço dos planos aumenta caso os pagantes desejem qualidades melhores, como filmes e séries em 4K.
Por fim, vale ressaltar que a empresa tem tido dificuldades em aumentar o preço dos seus pacotes de assinatura em meio à crise global provocada pelo coronavírus. Como os acordos de distribuição de filmes são pagos em dólar e a moeda americana tem se valorizado ao redor do mundo, uma assinatura padrão, que no Brasil custa R$ 34,90, rendia US$ 8,70 para a empresa no início do ano, contra US$ 5,90 em meados de maio.
Apesar de todos os percalços, ao competir com outras gigantes do mundo da mídia como Disney, Apple, Amazon, HBO e AT&T, a Netflix ainda vem se mostrando resiliente ao navegar entre as ondas do vírus, com suas ações no mercado americano apresentando uma alta de mais de 51% desde o início do ano. Resta agora observar quais serão suas próximas jogadas para superar a crise e manter sua base de usuários em constante crescimento.