Comportamento & Equilíbrio

Ação de Inconstitucionalidade. Revogação da Lei de Alienação Parental — Parte V

À Joanna, a primeira vítima letal dessa lei, a nossa Maior Homenagem e Respeito

Precisamos tentar entender o que foi orquestrado com o duplo golpe com a exclusão do pedido de Ação de Inconstitucionalidade da lei de alienação parental, e o Projeto de Lei pela sua Revogação. Não por coincidência, seria um “alinhamento de planetas” perfeito demais, nunca dantes ocorrido. Tanto a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), 6273/2019, quanto o PL 6371/2019, estavam completando dois anos de hibernação. Nenhuma movimentação. Aliás, o PL da Revogação da Lei 12.318/2010, tinha passado por algumas Comissões da Câmara, e tinha ganho a assinatura em subscrição de 42 Deputadas Federais. A ADI, essa estava parada. Nem os pedidos de “Amicus Curiae” haviam sido apreciados, nenhuma resposta. E eis que de repente, juntas, foram rejeitadas para a permanência da Privação Materna Judicial de milhares de Crianças. E três Representantes da mesma parte foram os escolhidos amicus curiae. O contraditório? O Mérito não foi apreciado, mas o pedido foi excluído por contornos formais. O Mérito, a violação do Direito a ter Mãe, que a Natureza garante a todos os animais mamíferos, não foi considerado. As Crianças e as Mulheres/Mães, parece, não importam. Há uma função sendo cumprida.

Neurocientista Pâmela Billig Mello Carpes (Foto: Prêmio Espírito Público)

Temos uma brasileira, reconhecida, internacionalmente, pela Ciência, que se dedica, há anos, ao Estudo dos Efeitos da Privação Materna a curto, médio e longo prazo. Pâmela Billig Mello Carpes. Vários autores já se debruçaram sobre os estragos permanentes promovidos pelo abandono materno. A saúde mental é afetada por esse afastamento. Enquanto isto, promovemos a Privação Materna Judicial, executada pelo Estado. Não são mães que abandonam seus filhos. É compulsório, são obrigadas pelo Estado a abandoná-los sob a alegação que cometem uma violência psicológica contra a Criança, porque acredita-se que o genitor alega que essa mãe fala mal dele e dificulta sua convivência com o filho. Basta falar. Essa fala de timbre grave, masculino, é de imediato crédito. Enquanto a fala anterior, de timbre agudo, feminino, que denunciou o dono da voz grossa por abuso sexual incestuoso, é determinada como “voz de louca”. Mulher que faz denúncia de ex-marido, é louca. Mesmo quando tem vários atendimentos em Urgência em consequência de socos, pontapés que causam hematomas e fraturas, ou tem as provas materiais da prática de abusos sexuais contra o filho ou filha. Mas, se ousar recorrer à devida Instituição, ela é louca.
O PL de Revogação da lei de alienação parental foi excluído, carregando a assinatura de 42 Deputadas Federais, de todos os matizes ideológicos e partidários. Um Substitutivo ocupou esse espaço que buscava a Proteção dessas Crianças vítimas da perversidade dessa lei, que tem foco no genitor faltoso e/ou criminoso. Esse Substitutivo tenta, pifiamente, dar voz à Criança e diminuir as alegações de alienação parental quando houver denúncia de abuso sexual e/ou violência doméstica na Vara Criminal. Parece promissor. Mas já nasce com vício. Já vigora uma outra crença infundada, a implantação de falsas memórias. E, as denúncias nas Varas Criminais são precocemente arquivadas, seguindo a crença de que se trata, apenas, de uma disputa de guarda, caso para a Vara de Família. Portanto, nem a Criança terá Voz, nem haverá menos alegação de alienação atribuída à mãe, porque os processos criminais são rapidamente arquivados, independente de provas. E, mais grave ainda. Fica tipificada a síndrome de alienação parental, erro que já tinha sido banido pela inexistência dos requisitos necessários para essa qualificação, não aceita pelas Sociedades de Psiquiatria e de Psicologia por todo o mundo, o que deixou de fora essa pretensa síndrome da CID11, a classificação internacional das doenças, que rege a nominação de todos os quadros de doenças. O substitutivo determina que em havendo a síndrome, a mãe deverá ser encaminhada para tratamento psiquiátrico e psicológico, com Relatórios periódicos para o juízo. Ou seja, código de Ética rasgado. O Princípio da Confidencialidade, fundamental para esse trabalho psicoterapêutico, violado pela exposição e publicidade das dores emocionais da mãe e da Criança. Profissionais da Psicologia e da Psiquiatria desfigurados em seu compromisso com um paciente compulsório, ponto também inadequado para um trabalho de qualidade.

Parentes pedem justiça e explicação para a morte de Joanna (Foto: Tássia Thum/G1)

Sem fundamentação teórica, esse termo se tornou um dogma jurídico. Hoje mães são condenadas à violação de seu direito de exercer a maternidade com a alegação falaciosa de que ela está praticando alienação parental. E, como não tem comprovação científica, nem pesquisas longitudinais, é feita uma Estimativa de danos causados ao desenvolvimento da Criança. Esta Estimativa toma como indícios de consequência a lista de consequências, resultante de Estudos e Pesquisas realizados com Crianças que sofreram ou sofrem abusos sexuais. Copiar, colar, foi o método utilizado.
Aqui nos deparamos com um fenômeno atual: a estratégia de embaralhamento das palavras. O que venho chamando de Ecolalia da Terminologia, fornece um discurso que traz pitadas de cientificidade usurpada, rebuscada técnica sem nenhum compromisso com a verdade. As mentiras pseudoteóricas proliferam, usufruindo de enxertos de pensamento mágico. Sempre pronta a ceifar a angústia, a magia cumpre seu papel, dando respostas rasas, mas de raro encantamento. Parece que há uma fome continuada de ilusão.
Se considerarmos os últimos tempos, medo, frustração, ameaça de morte em diversos níveis e cenários, temos a impressão de que seria um desespero frente às restrições e incertezas. É bem mais antigo, vem sendo tecido cuidadosa e eficazmente há muito. Mas, também aqui, não é por acaso, como não foi por acaso que os dois golpes contra o abolicionismo das violações de Direitos, fizeram um dueto no último dia antes do recesso de final de ano. O Poder Judiciário e o Poder Legislativo, juntinhos, na mesma direção.
Encontrei no vídeo/aula de Jorge Maranhão, estudioso e autor, especializado em Cultura e Cidadania, alguns pontos de luz nesse emaranhado de palavras descompromissado com a razoabilidade. Cultura do Barroquismo, que tão bem tem sido objeto de estudo e pesquisa do Jorge, aponta a farsa e a sequente resiliência dessa Cultura. Para os anglo-saxões, o Barroquismo se resume às expressões de Arte, as pictóricas, as musicais, que têm em Bach seu representante maior, sem enxergar o transbordamento para a vida cultural. É esse transbordamento, esse exagero, esse aumentativo que caracterizam, tipicamente, o Barroquismo. A hipérbole forma a Cultura do Barroquismo em sua essência. E, pensei: talvez a escassez concreta em todas as suas dimensões, impulsione o aumentativo linguístico, o Barroquismo Jurídico que penaliza a necessária vivência dos afetos de Crianças e Mulheres/Mães.

Manifestação do caso Joanna Marcenal na praia de Copacabana na foto Ricardo Ferraz padrasto e Cristiane Marcenal mãe da Joanna (Foto: Thiago Lontra/Agência O Globo)

Visto pelo olhar do Barroquismo Cultural, uma pista para entender por que o acordo judicial se tornou prevalente sobre o julgamento de uma dada questão? A Justiça implantou o instituto do acordo usando a intimidação. Gardner montou o que alcunhou de “terapia da ameaça”, neste caso para calar as mães denunciantes. Acordo sobre um imóvel pode acontecer, mas quando o objeto do Mérito é a vida saudável de uma criança, isso não é possível. Hoje, sob a égide da lei de alienação parental, o compromisso moral é excluído por um contorcionismo.
A inversão se faz por projeção sobre o outro. O verdadeiro autor joga a bola no outro, e tem sua responsabilização inocentada. E a mãe que denunciou ainda responde por denunciação caluniosa, mais uma projeção de autoria. Mas, vamos continuar buscando a Abolição dessa Escravatura Sexual de Crianças.
À Joanna, a primeira vítima letal dessa lei, a nossa Maior Homenagem e Respeito.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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