Comportamento & Equilíbrio

Ação de Inconstitucionalidade. Revogação da Lei de Alienação Parental. Tributo à Joanna Marcenal — Parte IIIf

Apontada como primeira vítima da Alienação Parental, Joanna Marcenal perdeu a vida aos cinco anos de idade. A menina teve a guarda disputada entre os pais após a separação do casal

Sim. Um Processo que nasce como cumprimento ao Art. 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), denúncia de abuso sexual intrafamiliar, a prática do incesto, predador, e que é logo travestido de uma alegação de alienação parental, a armadilha dogmática, custa cerca de um milhão de reais. Refiro-me aos custos legais, não estando computados aqui os valores paralelos, que têm até tabela para contemplar a graduação dos recebedores. Falamos dos custos legais. Portanto, alguém tem a ingenuidade de pensar que esta gorda fatia, nutriente de uma cadeia alimentar bem estruturada em torno desse ganho fácil, vai ser retirado deste mercado só porque a criancinha não pode ser abusada? É mais fácil.
A interdição desse comportamento predador e primitivo, o incesto, é o marco civilizatório para a humanidade, porque demarca territórios distintos, um que se refere à consanguinidade e afins, que é preenchido por responsabilidade e proteção às crias, onde o afeto não sexualizado tem seu maior espaço. O outro território diz respeito à busca pelo outro não consanguíneo, o que estimula os humanos à conquista afetiva. Sociabilidade, amores, amizades, cidadania, são pilares da civilização humana. A Justiça é o regramento da administração desses pilares, que deveria ser repartido por todos. Todos. Mas
A humanicidade é o recheio que preenche todos, mulheres e homens. Mas, sabemos que, o homem e a mulher adquirem comportamentos que não encontramos entre animais. São subanimais. A maldade com o outro, e, particularmente, contra o outro enquanto vulnerável, atinge os piores e mais cruéis requintes de violência, em geral, não explícita.
A ADI — Ação de Inconstitucionalidade da Lei de Alienação Parental — foi extinta por interpretação de causas processuais, por formalidades. O MÉRITO, o teor da inconstitucionalidade, nem foi tocado. Não tem importância? Não importam a integridade física, psicológica e moral de Crianças? A doutrina do direito enxerga muitos direitos de pais transgressores, e nenhum direito da Criança.

“Joanna foi mais uma criança revitimizada dentro deste sistema. Pedimos justiça para ela, sua mãe e tantas outras que enfrentam realidades tão extremas quanto”, declara uma das manifestantes durante o ato em frente ao TJ-RS (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Continuamos promovendo a condenação da mãe que ousar denunciar um abusador, procurando proteção para um vulnerável, seu filho, sua filha. Nesse cenário, a saúde física e a saúde mental de Crianças, não importam. A superficialidade que compõe o Sofisma de desqualificação da voz da Mulher, a louca, e da Criança, a mentirosa, garante a pífia argumentação que atropela provas materiais, fissura anal, rompimento de hímen, a contaminação de uma Criança da Primeira Infância por DST, doença sexualmente transmitida, relato de abusos sexuais, pormenorizado e coerente, da Criança, nada, nada, é suficiente para que o aparato judicial escute, só escute, e tenha bom senso. Em lugar disso, operadores de justiça optam por descumprir a Justiça, obrigam Mulheres que, receberam da Justiça, uma Medida Protetiva que determina o distanciamento de no mínimo 200 metros, a se sentar ao lado de seu agressor, ou manda que ela o receba dentro de casa, e ainda justificam dizendo que, assim, a criança vai pensar que os pais não brigam mais. É a institucionalização da mentira, às custas do sofrimento por humilhação e terror daquela que era espancada. Se há um indiciamento de um pai abusador por uma Vara, a outra, o inocenta e inverte a guarda em favor do abusador, condenando a mãe pela falácia da alienação e proibindo, sem respaldo, o exercício da maternidade, Direito da Mãe Natureza. Todos os mamíferos têm direito à mãe. Menos os humanos que têm um pai que pratica a transgressão da interdição do incesto.
A condenação da mãe, nesse dogma da alienação parental, termo inventado por um médico defensor explícito da pedofilia, e praticante, é estabelecida por projeção futura, uma estimativa impossível de acerto quando se trata da versatilidade do gênero humano, sem evidência nem consistência. Quem falou que causa patologias? Quem pesquisou e provou essa hipótese? Não há estudos longitudinais sobre Crianças que na infância ouviram “falar mal” de um dos genitores, ou dos dois, simultaneamente, o que é o mais comum. Não há aceitação nas Sociedades Científicas de Psiquiatria nem de Psicologia do que esse médico pedófilo quis criar, uma patologia da mãe que prejudicasse o desenvolvimento da Criança. É a cleptoepsitemologia.
Assim, como uma seita, crê-se que faz mal para o pleno desenvolvimento da Criança, ficar sem o convívio do pai, Direito do pai, acima de tudo, que vem em defesa, até, dos pais estupradores. É como se a Criança não conseguisse sobreviver sem a presença do pai, seja ele, cocainômano, estuprador, agressor da mãe.

“Joanna foi mais uma criança revitimizada dentro deste sistema. Pedimos justiça para ela, sua mãe e tantas outras que enfrentam realidades tão extremas quanto”, declara uma das manifestantes durante o ato em frente ao TJ-RS (Foto: Joana Berwanger/Sul21)

No entanto, essa justiça tão “zelosa” pelo convívio com o pai, de qualquer perfil, não considera que o convívio com a mãe tenha qualquer importância, porque, em nome dessa crença alienação, a mãe é afastada brutalmente da Criança. Alguém já calculou quantas vezes uma menina ou um menino pronuncia essa palavra por dia? Mãe, tô com fome; mãe, já acabei; mãe, não quero; mãe, tá doendo; mãe, tô com medo. E, de um dia para o outro, sem que ninguém lhe dê um único aviso, ele não tem mais como pronunciar essa palavra que lhe é tão significativa. Aprende, precocemente, a sufocar o que era natural. As crianças ainda amamentadas ao peito, que ainda estão aprendendo a articular sua primeira palavra, perdem o leite, o cheiro, o olhar, o colo aconchegante. Justificativas que desconsideram o Direito da Criança, argumentam com a mamadeira que o pai e a madrasta vão fornecer. Fornecer. A madrasta, aliás, em muitos casos ganha a guarda da Criança, sem nenhuma consideração com a complexidade dessas relações imbricadas. As Crianças um pouco maiores, são obrigadas a chamar de mãe essa madrasta. Quem se importa com o que a Criança sente? Afinal, se a mãe é alcunhada de “alienadora de grau severo”, só isso é o bastante para trocar a mãe da Criança.
A emboscada jurídica, o substitutivo, recentemente, votado pela Câmara Federal, consagrou a “doença alienação”, de uma só tacada. Tratada como doença que o juiz manda, compulsoriamente, para a psicóloga que fará Relatórios, um inicial, outro periódicos e um final, violando assim, o Princípio Fundamental da Ética do Psicólogo, o SIGILO. Exposta a terceiros em suas dores emocionais e em suas intimidades mais secretas, o que sobrará dessa mãe, taxada de “alienadora”? É a lei descumprindo a lei.
A lei de alienação parental, que nasceu suja de sangue da Joanna Marcenal, sua primeira vítima letal, tem erros graves em sua raiz e em sua permissão a manobras sofismáticas. Fonte dourada de enriquecimento de alguns, patrocinada pela dor da desqualificação da Voz da Criança. Dolo e Prevaricação, robustecem a Cultura da Impunidade.
Em pé de jaca não dá morango.

Foto de capa: Marcelo Carnaval/Agência O Globo

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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